Arquivo mensal: março 2012

O prisioneiro, o dedão e o juiz.

O sujeito está na cadeia e recebe uma carta do pai falando:

Filho, sinto a sua falta. Queria que você estivesse aqui para cavar o jardim comigo e tomarmos uma cerveja.

O filho responde:

Não cave o jardim. Não cave o jardim.

No dia seguinte, a polícia revira o jardim inteiro e não encontra nada. O filho manda uma carta para o pai:

Gostou do serviço?

Guerra do Vietnã. Mesmo com um armamento precário, os vietnamitas conseguem abater vários helicópteros. O exército americano, intrigado, tenta descobrir como eles conseguem a façanha sem armas de longo alcance e sem mira telescópica. E descobrem a técnica do dedão. Quando o helicóptero passar, estique o dedão para cima. Se for menor ou do mesmo tamanho, pode atirar que tem alcance.

Um time de futebol americano sem grandes resultados faz uma pesquisa. E chega a conclusão que nos lances mais polêmicos, metade das decisões vão para um lado. Metade para o outro. Não existe um time mais favorecido na média. O que faz o técnico do time? Estuda a vida de todos os juizes da liga. E pede para na entrada do campo, o time falar coisas mais pessoais. “Soube que a sua filha se formou. Parabéns.” “Como foi de férias em Cancun?” “Parabéns. Seu aniversário foi ontem, né?”. Resultado: esse time teve mais de 70% das decisões pendendo para o seu lado. Na dúvida, o juiz passou a decidir pelo time mais simpático.

Pequenas histórias de uma palestra que não me sai da cabeça do Dave Trott. E que estarão no seu próximo livro: Pensamento Predatório. Um livro que mostra jeitos criativos de mudar o jogo a seu favor. De renovar o seu trabalho. Ou, simplesmente, de acreditar.

Acidez é romantismo.

“Não aja como um artista. Criativos não são artistas.” No momento em que essa frase apareceu, tive a total certeza que aquela oportunidade era única. Por quatro horas, tive o privilégio de ouvir uma palestra do Dave Trott. Sim, foram quatro horas. E poderia ter sido o dobro. Gente sem conteúdo é que nos cansa em segundos.

Talvez você já tenha percebido, mas em todo caso, vai lá: eu sou ácido. Segundo o Wilson Mateos, a minha acidez já é uma entidade à parte. E essa entidade adorou a palestra. Como não gostar de um cara que fala: “o problema na criação é que eles acham que são os espertinhos da criação. E por isso mesmo, deveriam tentar voltar a ser a pessoa que eram antes de trabalhar em criação.” Isso é música.

Quer mais uma? “Procurar referência na internet não é pensar, é ir ao shopping.” Tem mais: “Nossa função é a insolência. Se a criação não pode ser desobediente, que setor pode ser?” E aí, ele fez um paralelo com a famosa frase do Steve Jobs: “é mais divertido ser um pirata do que entrar na marinha.” Belo ponto. Tem muito marinheiro querendo navegar nas águas tranquilas do release caprichado e do trabalho nem tanto.

Dave Trott dissertou sobre  a grande diferença entre dizer e fazer. É fácil dizer que você quer um trabalho genial e colocar o médio na rua. Difícil é manter essa conexão entre dizer e fazer. E ele seguiu dissecando, sem medos. “Para cada Gorila da Cadbury, existem 99,9% de trabalhos que não chegaram lá. Porque a grande maioria do que vai para rua é um lixo.”

Espancou as pesquisas, criticou educadamente o retroplanejamento, declarou amor absoluto ao processo de criação. Comentou sobre budismo, lado esquerdo e direito do cérebro, presidiários criativos, Bill Bernbach, Freud e muito mais. Falou de tudo, menos dele mesmo. É um romântico. E talvez seja isso. Acidez é, no fundo, romantismo puro. Paixão. Uma sensação que as coisas poderiam ser melhores. Que a essência do trabalho em publicidade ainda é criar algo a mais do que lobby ou um personagem para si próprio.

PS: para saber mais sobre Dave Trott: http://www.cstthegate.com  


Me, Myself and I.

Eu fiz, eu faço, quando eu fizer, eu mudei, eu mudo, eu revoluciono, eu integro, eu comando, eu lidero, por minha causa, eu fui o primeiro, eu sou foda, o mega pica das galáxias. Eu, eu, eu. Cansa, não?

Não adianta ficar revoltado quando as novelas fazem caricaturas dos criativos. Não adianta reclamar da sina de ter um Marcos Frota nos representando. Não existe caricatura sem um fundo de verdade. E o fundo talvez nem seja tão fundo assim.

A pergunta era simples: qual a notícia mais importante nos 34 anos do Meio & Mensagem? E teve gente que conseguiu falar de si mesmo. Agora, vamos mudar de campo. Imagine o Scorsese. Imagine que perguntem a ele: senhor Scorsese, qual a notícia mais importante dos últimos 70 anos do cinema? E ele responde: o dia em que eu ganhei o meu Oscar. Ou o Gabriel Garcia Marquez falando: destacaria o momento em que eu ganhei o Nobel como o mais marcante da literatura. Ou a influência que essa conquista teve para o mercado latino-americano de livros. Soaria patético. E é.

O nosso ego não é um mito. O outro ganhou? Deve ser ruim, é fraco, não é integrado. O que importa sou “eu”. O que “eu” faço é sempre bom. Sempre revolucionário. Holofotes para mim. Ninguém faz nada como eu. Eu nunca erro. Soltem os meus releases, confirmem as minhas respostas, sigam-me.

O problema é que o “eu” erra. Sem perceber. Fica preso em si mesmo. Em suas próprias referências, na ausência de amigos. Continua sozinho no playground do prédio jogando a bola na parede. E dizendo que é o “melhor-melhor-do-mundo” em jogar bola na parede. Enquanto isso, aumento o som, coloco um De La Soul e vou cantando: just me, myself and I.

Curtir para ser curtido.

Eu nem deveria tocar nesse assunto, uma vez que o Jonathan Franzen o fez tão brilhantemente em seu artigo “Curtir é covardia”, que o tema parece encerrado. São tantas as verdades claramente explicadas, que o perigo aqui é apenas repetir o que já foi dito. Aceito o risco.

Curtimos na esperança de sermos curtidos, também. É uma regra subliminar. Um jogo não explicado, mas que está ali. Repare como muitas vezes um like só vem na sua direção se você deu um outro antes. Que um elogio só vem se você elogiou. É certo que muitas vezes acontece pelo acaso mesmo. Seguimos tantas pessoas que nos esquecemos das que realmente gostamos. Fulano curte a sua foto no Instagram. Automaticamente, você lembra que esse fulano tem grandes fotos e curte as dele numa recíproca honesta, verdadeira. Mas que, por seguir tantos, você vem esquecendo. Fulano, nesse caso, pode ser um amigo, um conhecido, um desconhecido. Você o segue porque gosta das fotos dele, oras. O que importa ali é isso, afinal, não? Bem, não. Conte com a possibilidade de que amigos seus tenham fotos ruins. E que você, portanto, pode não querer seguir ou distribuir likes feito um Silvio Santos no auditório. Por uma questão social, somos induzidos a curtir o que não curtimos, de fato.

Claro que curtir fotos ruins não é um crime. Até porque ruim é um critério subjetivo. Para o meu amigo Marcos Medeiros, ruins são todas as fotos de comida e feeds que parecem álbum de família. Agora, há fotos que você sabe qual significado tem para aquela pessoa. Exemplo: um amigo seu é fã de um artista, você sabe disso, ele fotografa meio fora de foco e joga. É uma foto com história. Eu, por exemplo, tendo a dar like em qualquer foto do Rio de Janeiro por um motivo passional. Porque me leva de volta ao berço. O ponto é: ninguém é menos amigo de ninguém por discordar. É a opinião sincera do outro que nos impede de passar ridículo até. De usar acaju, que seja.

A regra vale para o Facebook, também. Lá, a expectativa de um retorno é ainda maior. Somos avisados de aniversários de pessoas com que nos importamos e isso é um facilitador. Mas somos avisados das que pouco fazem diferença e, por uma ferramenta que não a nossa memória, damos parabéns. Afinal, pega mal não dar. Nivelamos amigos e conhecidos sem grandes distinções que não o tamanho das nossas mensagens ou a quantidade dos nossos likes.

No mundo real, há uma imensa massa de pessoas que não quer opinião. Quer apenas a confirmação. Não é à toa ouvirmos: pensei numa ideia do caralho, o que você acha? E ai de você se não gostar. Não é uma atitude condizente com um mundo de curtir e distribuir corações virtuais. Como diz o Franzen: “Todos nós podemos suportar momentos em que não somos curtidos, pois existe uma gama virtualmente infinita de curtidores em potencial”. Você pode não me curtir, mas 89 outros curtiram e isso basta. Em um jogo social, não opinamos, falamos o que o outro espera ouvir.

Eu sou viciado no Instagram. E muitas vezes me peguei contando os likes. Eu sou a prática da teoria. Ao me observar fazendo isso, percebi que estava querendo ser curtível. Com tantos cuidados para não jogar fotos das minhas filhas, estava exposto do mesmo jeito. Resolvi mudar o jeito de usar. No mundo do curtir para ser curtido, em que likes assemelham-se a moedas, parece mais valioso trocar 1000 emoticons pela sinceridade. Mesmo que você perca seguidores, avatares e a mão de um amigo fazendo joinha.

Velhos amigos.

O telefone tocou e era ele. Fazia tempo que eles não se falavam. Eram amigos, mas andavam distantes. Estavam separados por uma barreira de reuniões intermináveis, viagens de trabalho, stress, famílias, ponte-aérea.  Havia sempre algo que conspirava contra um encontro, um papo que fosse.

Mas o telefone tocou e eles se falaram. A pedido dele, o papo tinha que ser ao vivo. Olharam suas agendas, consultaram suas secretárias e por fim marcaram para dali a uma semana. Ficou no ar o assunto, ficou em suspense, uma interrogação. O que será que ele queria falar? Não quis adiantar nada pelo telefone, achou que não era o caso. Chegou a pigarrear e concluiu: – “Só pessoalmente eu falo! Só pessoalmente!”. Os dias passaram corridos. E mesmo assim, nada na semana foi capaz de apagar aquela interrogação. Às vezes, tomando um café, ou no intervalo para um xixizinho, até mesmo durante um almoço, aquela dúvida surgia. E os dias se passaram. Até que aquele charmoso Peugeot 1958 estacionou no pátio. O burburinho entre os guardas do prédio e os manobristas foi inevitável. Não é sempre que um carrinho como aquele parava ali. E para uma vista acostumada com um mar de Audi A3, era impossível que não se formasse um círculo em volta daquela preciosidade. Ele já estava acostumado a isso. Respondeu as perguntas padrões dos curiosos, educadamente. Até porque não sabia fazer de forma diferente. Era um sujeito solícito, de família nobre, como se dizia antigamente. Em seu paletó levemente desgrenhado, mas não ao ponto de parecer relaxado e, sim, elegante, deixou aquele círculo de curiosos para trás e caminhou para a recepção. Antes, a pedido do segurança, teve que cadastrar sua digital. Era a norma. E ele, que não era muito de contrariar normas, colocou sua digital naquele aparelho. E mais uma vez. E outra, e outra. Chegou a pensar na tecnologia dos dias de hoje. Avanço? Perda de tempo? Ficou na dúvida, já que teve que colocar a digital mais uma vez para se cadastrar definitivamente e aí, sim, se dirigir a grande porta de vidro, para colocar novamente sua digital ali e por fim adentrar a grande caixa branca. Antes de falar com a recepcionista, reparou no quadro da entrada. Uma bela fotografia feita pela Rochelle Costi. Uma foto em cores vibrantes de um carrinho de pipoca. Como o simples é belo. Poderia escrever ou pensar um tratado completo sobre a beleza que aquele quadro passou, mas foi interrompido por algo. Primeiro era um zumbido. Depois foi ficando mais claro. Olhou para o lado e viu a boca da recepcionista se mexendo, mas estava tão perdido em pensamentos, que a voz dela só chegou alguns segundos depois. Sim, disse que tinha uma reunião agendada. Não contou que veio para a reunião porque não quis falar por telefone sobre o assunto. Não entrou nesses detalhes. Achou desnecessário. Passada essa etapa, havia mais uma catraca. Digital e nada. Digital e nada. Na terceira, a catraca resolveu ceder. Sinal verde. Ele entrou. Passou pela porta de vidro fosco. Uma porta imponente. Ao entrar, reparou de cara numa grande planta, um bambu mossô. Também sentiu o ar condicionado frio, muito frio. Ficou impressionado com a valentia do bambu. Chegou até a ficar comovido com sua obstinação em ficar de pé ali, imponente, numa temperatura sibérica.

Observou e foi observado. Não conseguia se desligar do seu olhar documentarista, que procurava nos detalhes, uma nova história a ser contada. Antes de subir as escadas, ainda olhou de relance um quadro. Um Dudi Maia Rosa, de uma cor vibrante que contrastava com o branco ao redor. Viu ainda uma nova escada dentro da escada. Colada na parede, como se o chamasse para uma nova dimensão.

Seguiu seu caminho acompanhado por uma gentil secretária. A sala era a 2. Será que ainda olhavam o seu carro? Ele pensou. Por um breve instante se viu sozinho na sala e repassou a conversa mentalmente. Como tocar no assunto? Perdeu o caminho quando viu um pote de jujubas. Por que jujubas? A resposta veio rapidamente. Quando percebeu, estava com a mão esticada e sua dúvida agora era se pegava a verde ou a vermelha. Pensou num daltônico que come a laranja achando que é a de limão. Resolveu pegar a vermelha. Olhou ainda para um pote de biscoitos de polvilho. Procurou de relance o queimadinho, mas desistiu. A jujuba trouxe uma série de lembranças. O suco que vinha embalado no plástico em formato de carro, a bala Banda, a bala Boneco, o cine Rian da praia de Copacabana. Tudo em seqüência acelerada. E foi então, que a porta abriu e finalmente eles se encontraram.

E como só acontece com os amigos, eles não vacilaram nem por um segundo. Falaram como se reiniciassem uma conversa terminada ontem. Suas paixões alvinegras, Vasco e Botafogo, foram o ponto de partida. Não havia antagonismo, por um instante era como se fossem companheiros de torcida. Uma torcida por dias melhores que pareciam chegar. Lembraram de como se conheceram e refizeram a trajetória daquela amizade. Os primeiros trabalhos, os percalços, riram das dificuldades de remontar um comercial na moviola. E foram passo a passo chegando juntos no assunto que anos depois os colocava de novo frente a frente. E só então, um pequeno silêncio se impôs. Quase que em uma coreografia, levaram um café até a boca. Olharam os dois para o mesmo solitário polvilho queimadinho que residia no fundo do pote. Impossível de ser alcançado. Ele resolveu falar o que enfim o trazia. E na cadeira da ponta direita, quase que numa superstição, ele se preparou para ouvir. Cruzou a perna, levou o indicador à sobrancelha, repetiu um movimento que lhe acompanha desde a infância. Você tem acompanhado a revista? A resposta veio antes mesmo do fim da pergunta: claro. Gosta, não gosta, não tem uma opinião formada? Ele finalmente sabia o assunto. E aquilo lhe deu uma alegria que se formatava na resposta acelerada: acho muito legal. E agora foi a vez de uma pequena titubeada. Então, eu tava pensando se, sei lá, você queria trabalhar essa conta? E ele respondeu: porra…

Texto escrito com o Edu Lima para anunciar a conquista da conta da Revista Piauí pela F/Nazca.

Assumidamente involuído.

Pega o martelo, olha a platéia de cima, busca um braço esticado ou qualquer outro gesto, e bate. Em suma, era assim que via o seu próprio trabalho. Fazia-o por herança, e porque nada mais sabia. Seu avô foi perfeito, seu pai manteve o padrão. Ele, não. Ele apenas parecia o que nunca quis ser. Ninguém desconfiava. Nem os senhores distintos, muito menos as senhoras com hálito de vinho em taça de plástico. Só ele sabia o nada que era.

Certa vez, leiloou um Basquiat. Um pequeno desenho. Teceu uma longa explanação sobre o sentido da obra, impressionou, vendeu. Odiava Basquiat e aqueles desenhinhos primários. Odiava ainda mais Pollock. Quebrava porcelanas, vasos raros, tacava fogo em manuscritos, enfiava a faca em telas, cortava a cabeça de esculturas. Tudo em silêncio, na sua imaginação, sem deixar rastros.

Era extremamente preparado. Dedicou-se com afinco à arte de decorar. Decorou verbetes, textos, nomes, tintas, estilos, correlações entre artistas, períodos. Era sábio e era nada. Sem disfarces, era pathéthique. Nem o tempo gasto em discursos imaginários, nem o preparo do gesto perfeito, nada o salvava da mediocridade que sentia ao olhar-se no espelho.

Ele odiava o que fazia. Ele implicava com leiloeiros, apreciava mais os falsários. E se sentia um misto dos dois, o que aumentava a sua angústia. Sentia-se mal em desempenhar aquele papel que não escolheu. Pudesse ele, teria nascido pintor. Dos bons, mas incapaz de desenvolver um estilo. Viria ao mundo com a missão de falsificar pequenas obras (as grandes chamam atenção demais). Queria ser sorrateiro e passar para a frente a sua arte do nada. Só para ver o leiloeiro vender aquilo que não era. E alguém comprar o que imaginava ser. Como ele fazia todos os dias consigo mesmo. Sonhava ser outro para ser ele mesmo sem dilemas, sem questões. Assumidamente involuído.

Texto publicado na Revista Piauí. Julho de 2007. Vencedor do concurso “Encaixe essa frase”. Nesse texto, a frase a ser encaixada era: Ele implicava com leiloeiros, apreciava mais os falsários.

O velho, o menino, o burro e o mercado.

Diz um certo conto de La Fontaine, que você já deve ter escutado, que um velho e um menino seguiam por uma estradinha montados num burro. Até que, no caminho, alguém falou:
– Que crueldade! Assim, eles matam o burro!
O velho, assustado com os comentários, pediu para o menino descer. Até que outras pessoas comentaram:
─ Que velho maldoso. Deixar o pobre menino a pé!
O velho mais uma vez se impressionou com os comentários e desceu do burro. E colocou o menino para montar. E novamente comentaram:
─ Que menino desalmado. Cheio de energia montado no burro, enquanto o coitado do velho caminha.
Até que os dois resolveram carregar o burro nas costas. E mais uma vez ouviram risadas pelo caminho. E um comentário:
– Mas olha só, como são burros.

Infelizmente, o mercado publicitário funciona muito parecido com este conto. Não é uma metáfora simplória, é constatação. O cara é bom em filme? Ah, mas ele não manja nada de web. Ele é bom em web? Putz, ele não saca nada de mídia tradicional. Mas ele é bom em títulos, diria um defensor. E um passante na beira da estrada diria que ele nunca fez uma ação sequer. Ele está pensando em integrated, agora. Tá, mas piorou muito nos roteiros. Ele é bom em spots. Ah, vá! Quem liga para spots?

Ele é premiado? É, mas só em prêmios nacionais. Ele ganhou Cannes? Ganhou, mas não tem nada do dia a dia. Ele resolve o dia a dia bem pra caramba. Resolve, mas não ganha nada em premiação internacional. Ele é bom em releases. Bem, aí não tem perdão mesmo.

Para piorar, existem os comentários anônimos que me enchem de vergonha. Agora mesmo, deve ter um aí embaixo dizendo: que bosta de texto. Mas penso no Chico Buarque comentando sobre os anônimos e rindo. E vejo que ele está certo.

Moral da história? Trabalhe dignamente, meu caro. Cumprimente os colegas quando você achar que o trabalho é bom de verdade e não por network. Na beira da estrada, não falta gente falando. Escute menos e faça o seu. Acredite: no mercado, é melhor ser velho, menino e até mesmo burro.

Publicado no site do CCSP. 07/2011.


Os Maias estavam certos.

Dia 43.

Olho para trás e dou o último adeus. O cenário é desolador. Uma multidão caminha pelas ruas em uma coreografia ensaiada. Ouço um coral de buzinas de mugido e vislumbro chapéus de caubói atirados ao céu. Mulheres são enlaçadas por cordas nas ruas. Elas sorriem, eu não. O contágio era muito mais rápido do que se pensava.

Dia 2.

Ouço a tal música pela primeira vez. O contador de views do YouTube gira em uma velocidade impressionante. Como não percebi de imediato? Diferente de Ilariê, não preciso tocar a canção em reverso para captar vossa mensagem. “Assim você me mata. Ai, se eu te pego”. Era óbvio demais.

Dia 7.

Amigos próximos se comportam de maneira diferente. Muitos já reproduzem a tal dancinha. Penso em George Romero. Nem ele seria capaz de imaginar algo tão devastador. Sem mordida, arranhões, nem sangue. O contágio é pela internet, pela rádio. Mas tal qual mortos vivos, a fome é de cérebro.

Dia 9.

Penso no Kaoma. A humanidade sobreviveu a eles. Eu me encho de esperança. “Chorando se foi quem um dia só me fez chorar.” Eles se foram.

Dia 12.

Há registros de contágio na Grécia, Polônia, Alemanha. Compro mantimentos, encho 64GB de música e invisto uma fortuna em um fone com noise reduction. Por agora, estou salvo. Penso aliviado enquanto como pedaços de Miojo cru.

Dia 18.

Portugal se rendeu ao vírus. Mesmo depilado, Cristiano Ronaldo não passou liso. Na Espanha, entre uma ajeitada de cueca e outra, Nadal canta para Djokovic: assim você me mata. Djokovic fica na dúvida se é para ele ou para a cueca, mas como um mestre da imitação, foi pego em segundos.

Dia 22.

O meu prédio inteiro canta. Vizinhos dançam pelas escadas. Vejo Lobão na TV sendo carregado pela multidão, que grita: herege! Ele estava certo: o rock errou. Como um Profeta Gentileza do mundo bizarro, Lobão grita: ódio gera ódio, enquanto é engolido pela horda.

Dia 27.

Abandono a casa. No The Walking Dead, eles ensinam que o melhor disfarce é uma cobertura de vísceras dos zumbis? Eu decoro a dança e me visto de xadrez.

Dia 29.

Furto uma roupa de aqualouco. Não sabia que vendiam essas coisas. Acabo me infiltrando em um grupo de fãs do Restart e consigo um refúgio.

Dia 31.

Fui expulso do refúgio por usar cueca cinza. Explico que sou daltônico, não adianta. Grito como Charlton Heston ao ver a Estátua da Liberdade. Teló está em todas as capas. O mundo não será mais o mesmo.

Dia 37.

Invadi um pesque e pague em busca de comida. Péssima ideia. Noto um jogo de dardos com o Rafinha Bastos de alvo. Sou expulso por antropólogos que gritam: você não entende o Brasil. Aceite a verdade.

Dia 40.

Entro em uma encruzilhada. Vejo o Robert Johnson cantando Ai se eu te pego, em inglês. O diabo com uma leve escova progressiva sorri e me fala: eles pagam mais. Valha-me meu São Muddy Waters. Os Maias estavam certos.

Dia 42.

Há rumores de que existe um bunker Lúcio Ribeiro. Preciso decorar a senha: as 5 melhores bandas do mundo desse mês.

Dia 44.

Não há bunker, não há nada. Apenas, aquela música saindo de toda e qualquer caixa de som. Ok, pode me pegar, Michel Teló! Tento dançar e cantar. Quero ser um deles. Tudo em vão. Comemoro o fato de ser imune ao vírus até que me vejo refletido em um chifre cromado na frente de uma picape. Entro em desespero. Estou vesgo. Virei um meteoro da paixão.

Você nunca vai fazer 28.

 

Oh, agora vocês falam de uma maldição dos 27 anos. Misturam teorias conspiratórias, buscam explicações na numerologia, apelam para a astrologia. Então, eu levaria Jim Morrison e Jimi Hendrix pelo simples fato de que eles nasceram sob o signo de Sagitário? Poupem-me.

Mistificar o simples é algo tão humano que me traz uma sensação rara: sorrir. Resolvi, portanto, dar algumas respostas. Não é isso que vocês vivem procurando?

Antes de qualquer coisa, Brian Jones foi um engano. Logo, toda a teoria da maldição dos 27 é baseada em um erro. Um erro primário, confesso. O meu alvo era Keith Richards, mas estava em uma péssima noite. Adoro Brian, ele é muito talentoso, acredite, pois o ouço todos os dias. Não tinha motivos para levá-lo. Ele tinha sido expulso da banda, estava triste e minha encrenca era com Mick e Keith. Muito por causa daquela canção Sympathy for the Devil. Eu adoraria que aqueles versos tivessem sido escritos para mim. Então, resolvi usá-los contra Keith. Cheguei cantando: Please allow me to introduce myself, I’m a man of wealth and taste, I’ve been around for a long, long years… Mas atingi Brian. Em troca, dei a Keith todos os anos de vida que Brian teria direito. E isso, apenas isso, explica o fato dele estar vivo. Ele não é um sobrevivente, eu que me senti culpada. Ele pode subir em coqueiros, tomar doses cavalares de bebida e continuar andando, porque eu, um reles imortal, cometi um pequeno deslize.

Voltemos aos fatos como eu vivi, ou morri. Jimi Hendrix veio depois. Mas preste atenção nessa letra: angel came down from heaven yesterday, she stayed with me just long enough to rescue me. Ok, não sou um anjo. Mas entendo a metáfora como quiser e levei ao pé da letra. Achava que era comigo que ele estava falando. Aproveito para acabar com um dos mitos que me cercam. Jimi Hendrix não toca com Stevie Ray Vaughan, nem faz jam sessions com Charlie Parker. Seria injusto ouvir algo que você, mortal, nunca ouviu. Sim, eu tenho um senso de justiça. Ou você acha que é à toa que inúmeras versões inéditas surgem após a morte? Que, por décadas, esses artistas mantenham a presença nos rankings de venda? Eu simplesmente sei criar um mito. Ah, se eu gostasse tanto do número 27 teria levado Stevie Ray com essa idade. E aí, sim, teríamos uma grande teoria.

Janis Joplin? Ela cantava Farewell Song. Preciso explicar muito? E, cá entre nós, acho que a sua voz não continuaria a mesma. E seria doído vê-la cantando pior. Há uma outra questão humana. Com tanto artista ruim, porque eu levo os melhores? Bem, em que momento vocês imaginaram que eu teria mau gosto musical? Eu simplesmente gosto de boa música.

Depois tem o menino Jim Morrison. Eu sou discreta, chego sem esperar. Mas quando ouvi “The End” pensei: esse rapaz sabe que eu estou chegando. E gosto de me imaginar como o beautiful friend da letra. Ver The Doors em turnê com outros cantores quase me traz um arrependimento. Ele não merecia isso. E Val Kilmer? Pensei em adiantar a vinda de um certo diretor só por essa escolha. Mas com Jim, senti que os 27 seriam um assunto. E isto foi algo pensado. Pela primeira vez, até então. E descansei. Gary Thain do Uriah Heep? Alan Wilson do Canned Heat? Pigpen do Grateful Dead? Ah, não me subestime. Todos ao acaso. Não fosse a busca pela internet, você não conseguiria ligar um assunto ao outro.

Tive muito trabalho nesse tempo. Levei grandes do reggae, o rei do rock, pelo menos uma dúzia de rappers, o menino Lennon e o maior ídolo pop de todos os tempos. Eternizei lendas, marquei seus lugares na história. E aí, vem a tal maldição dos 27 com Kurt Cobain. Sério? O cara canta: I hate myself and I want to die,  Come on death e vocês acham que ele se foi por causa dos 27? Eu simplesmente adorava a audácia desse rapaz. Gostava como ele escrevia canções para mim. Vocês não sabem, mas me doeu tanto que vesti xadrez por um mês em luto. Em troca, lhes deixei o Dave Grohl repleto de ideias. E, mais uma vez, diversos takes inéditos do Nirvana.

E agora, vocês lamentam pela Amy. Fazem novas conjecturas com os 27. Uma explicação: ela era simplesmente muito talentosa. Você não escolhe o seu playlist? Eu também. E, de quebra, preservei sua voz em Back to Black. Com o tempo, vocês esquecerão a imagem de uma artista em decadência física e se lembrarão apenas de sua grande voz. Por isso, ela não fez 28.

Encerrando: não me importa 27 ou 42. Ah, você em suas crenças não se tocou que Peter Tosh e Elvis morreram com 42? Ceifar é o meu trabalho, apenas. E eu não acredito em superstições. Último pedido? Olha que ironia, eu falando em último pedido. Se é para fazer uma versão de uma canção de alguém que eu levei, que seja realmente boa. Eles raramente se sentem homenageados. Digo-lhes com conhecimento.

 

PS: Não comentei sobre o Robert Johnson porque temos um acordo.

Chame o bombeiro!

Nesse momento, há alguém caminhando com a cabeça erguida por ter visto o Pearl Jam de perto. Há um homem orgulhoso de ter dividido com o seu rebento as glórias de um solo do Eric Clapton. Há uma mulher que saltita feito menina ao relembrar a emoção de ver o mestre Stevie Wonder entrar no palco. Por todo lado, há aqueles que voltaram da noite do Strokes, do Faith No More, Interpol, Red Hot Chili Peppers, Coldplay ou do Metallica. Cada um exibindo a sua medalha da vitória particular. No celular, no peito em formato de camiseta de camelô comprada na saída ou entupindo a timeline com fotos e mais fotos no Facebook.

No momento em que eu escrevo essas linhas, há desesperados caçando ingressos por exorbitantes 500 reais para o Lollapalooza. Todos esperando por aquele momento em que podem encher a boca, inflar o peito e dizer: Foo Fighters? Vi.

Nunca foi tão fácil dizer que você voltou de um show bom. Mas aí eu pergunto: e os shows ruins? Por que não exibimos o nosso CV dos péssimos momentos presenciados cara a cara? Vamos lá, coragem. Respire fundo e vasculhe o seu passado musical. Tenho certeza de que, em algum recanto, há um pedacinho vergonhoso. Por mais que você esconda, ele está lá, assombrando. Você fecha os olhos e vem aquele medo de ser “taggeado” em uma foto comprometedora segurando um vinil do Engenheiros do Hawaii. Ah, meu caro, você não está sozinho. Música ruim também forma o caráter auditivo.

Meu pai era crítico musical, diretor de shows, jornalista e mais uma pá de funções. Minha mãe é assessora de imprensa, promoter, baladeira e figura constante na cena musical. Bem, pense numa criança nesse ambiente. Você acha que tudo são flores? Ok, a parede de casa era forrada de vinis de cortesia. Foram muitos os belos momentos nessa jornada infanto-adolescente. Mas sabe aquele papo de que de graça até injeção na testa? Eu ganhava ingresso para quase todos os shows que aconteciam no Brasil. E ia sem distinção. Logo, os péssimos, aqueles que fariam você enterrar a cara no chão, bem, eu fui.

Vamos a alguns deles. Show do A-Ha na Apoteose. Eu estava lá. O playback engasgou na hora da canção “Hunting High and Low”. A música ia e voltava no mesmo ponto. As meninas chorando em volta, negando que fosse playback. Cyndi Lauper no Maracanãzinho. Fui, também. Ela devia ter duas músicas conhecidas. É mais uma medalha de honra na parede da vergonha.

Bandas nacionais de um hit só? Devo ter visto todas: Radio Taxi, Eletrodomésticos, Metrô e tantas outras mais. Fazendo um paralelo, eu teria ido ao Restart hoje com aquela mentalidade. Eu ouvia Culture Club para tirar solo de gaita. Gostava de Missing You da Diana Ross e dançava música lenta ao som de Careless Whisper do George Michael. Mais: eu decorei a letra de We are the World. Fui no show do Twisted Sister, gritei com o Quiet Riot, fazia embromation ao som de Xanadu da Olivia Newton-John. Eu fui new wave, tá pensando o quê? Sou da geração Discoteca do Chacrinha e gostava daquilo antes mesmo de ser cult gostar de coisa brega. Eu fui “originals brega”.

Eu sei que é muito mais bonito, mais honroso falar dos grandes momentos. Eu falarei em algum coluna. Mas junte-se a mim. Liberte os seus traumas, mostre as suas cicatrizes. Há uma faixa podre clamando para ser tocada. Vá para a janela do computador e grite na rede social: eu já cantei “I should have Known Better” do Jim Diamond

Sem vergonha, sem disfarces. Você tem um arranhão musical que eu sei. Se não tem, é porque não viveu. Vem. Abra suas asas, solte suas feras, o Papa é pop e o pop não poupa ninguém. Nem você, nem eu, nem o mais hipster dos indie cabelinhos.

Jim Diamond. O cara de Chame o Bombeiro!