Arquivo mensal: outubro 2012

O método Sarkisiano.

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Você é um daqueles que acredita que é relativamente tranquilo chegar em uma ideia? Então, você nunca viu o Gustavo Sarkis trabalhando. Imagine aquela posição clássica do Chico Xavier psicografando. Agora, adicione o drama da chegada cambaleante daquela maratonista suíça nas Olímpiadas de 1984. O Sarkis criando é algo por aí. É sofrido, é duro, é emblemático. Para quem acredita em inspiração no ar, em flanar à espera da iluminação, em todas as bobagens do gênero, é um soco de realidade.

A direção de criação me deu a oportunidade de entender mais sobre os métodos que cada um tem para chegar em uma ideia. O que já era algo que eu adorava observar, hoje ficou mais fácil. Meter nome na ficha técnica sem fazer nada também é fácil, mas isso é assunto para outro texto. O fato é que escolhi falar do Sarkis porque ele é o cara mais disciplinado que já conheci trabalhando. Ressalto o trabalhando porque a caminho da academia, ele é facilmente seduzido por um almoço. Mesmo que seja no fatídico America. Outro motivo é que ele está longe, na distante California. E sabe como são homens, né? Sempre difícil elogiar quando o cara está logo ali pertinho.  Afinal, qualé, tá me estranhando? (cusparada no chão, coçada no saco). E, claro, ele é um redator brilhante.

Logo que eu cheguei na AlmapBBDO, percebi o sofrimento do Sarkis. Não resisti a isso e num ato típico de bullying, ao invés de roubar o lanche do coleguinha, resolvi tirar umas fotos escondidas dele trabalhando. Rapidamente, eu coletei um enorme acervo. Ele com a testa encostada na mesa, ele com a mão na cabeça em desespero, ele olhando para o monitor perdidamente, ele com as mãos em oração, ele atormentado. Um tempo depois, minha filha pegou o meu celular, viu as fotos e me perguntou: pai, quem é esse seu amigo tão triste? Era uma dor contagiante.

Gustavo Sarkis vem de uma escola de redatores focados. O fone no ouvido só toca música em caso de esquizofrenia. É um Peltor anti-ruído desses que os caras usam à beira de uma turbina de avião. Ele não usa MSN, iChat, joguinhos e, arrisco dizer, que nem vê putaria. Não há distração em seu mundo. É um pólo oposto do meu jeito de fazer. Coleciona pequenos pedaços de papéis com anotações aleatórias. Coisas quem nem são, mas que podem ser. Esse método rendia dezenas de páginas de ideias, toneladas de roteiros. Não, não são todos embaixo do mesmo conceito. Ele abre picadas e caminhos para todos os lados. É um peregrino faminto, fominha, incansável, obstinado em levar a maior e melhor pilha. Apresentar ideias ao lado dele é como fazer xixi ao lado do Kid Bengala. E ele adora repetir, tal qual Dulcídio Caldeira (também conhecido como Obsessídio Caldeira), que a ideia nasce do herpes.

Ele sempre vai até o limite para criar qualquer coisa. Lembro que na época do cachorro-peixe, havia um outro roteiro brilhante para a mesma campanha. Ele descartou no caminho por crer que bastava aquele. Não me lembro dele agindo como estrela, não me recordo dele destratando ninguém, nem de permitir que o seu o ego saísse fazendo besteira por aí.

Sarkis está entre os meus redatores favoritos por ser simples mesmo sendo tão complicado criando. Eu gostava de implicar dizendo que ele era baiano de condomínio. Cresceu jogando capoeira no carpete, enquanto as suas ideias eram nutridas com danoninho e lactobacilos vivos importados. Bobagem. Ele é bom porque faz muito. Porque gosta. E porque não se deixou enganar pelo falso glamour que nos cerca. É um cara que faz falta por perto (arroto e mais uma cusparada no chão). Nesse momento, deve ter um americano olhando o Gustavo criar. Acostumado com todos os clichês de uma nação alegre e sacolejante, ele pensa: e eu que achava que os brasileiros não sofriam por nada.

PS: o vídeo da maratonista suiça. Também em Los Angeles, só que em 1984.