A vida deveria ter a leveza das canções de Jorge Ben Jor. É a minha utopia particular. O meu desejo secreto. As coisas que imagino quando tudo em volta parece dar errado. Quando eu mesmo me sinto fora do tom. Nessas horas, eu recorro ao Ben. E sonho caminhar pelo seu universo.
Nada é capaz de me atingir. Porque eu estou vestido com as roupas, as armas e as lentes escuras de Jorge. E vejo tudo através dos seus olhos. Ogam toca pra Ogum que eu estou adentrando. Salve Jorge, Zé Pretinho, my brother Charles. Estou despido de acidez. Aqui, eu só quero torcer pela paz, pela alegria e pelas coisas úteis que se pode comprar com 10 cruzeiros.
Não tenho pretensão alguma de animar a festa. Quero apenas a honra de andar ao lado do macaco cientista, do urubu que toca flauta e violão e, claro, da internacional Deise, a mulher do homem que come raio laser. Quero a graça de falar voxê ao invés de você. Quero chamar o síndico Tim Maia para desorganizar a minha cabeça. Quero a cura para a hipocarioquice que me aflige quando sou chamado para tomar uma breja na padoca.
Vem comigo que o Crioulo Rei vai colocar a tristeza pra correr. Vem que a menina mulher da pele preta está cheia de malícia. Não aquela que mora na Pavuna e dança no simpático Pavunense. A outra, de olhos azuis e sorriso branco. Vem que são poucas as questões. Que plâncton é esse? Adivinha quem vai bater?
Licença, seu Umbabarauma. Cheguei para ver o que é corocondô. Para entender o zambá, o zambé, o zambi. Para soltar o sorriso “quinta série” que teima em aparecer ao ouvir que é para balançar a pema. Bebete vambora que eu preciso correr para a geral da minha nostalgia. Ouvi dizer que a falta é na entrada da área e o Galinho de Quintino é quem vai bater. E se não bater, tudo bem, porque é certo que vai rolar um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa.
Estou entre jatomóveis, bancários, ruas e avenidas. Não me aflijo. Sei que conto com a proteção de Charles, Anjo 45. Sei que Jorge é da Capadócia e meus inimigos têm pés, mas não me alcançam. Tudo aqui é abençoado por Deus e bonito por natureza. Sinto-me embalado pelas canções que ninaram as minhas filhas. Os olhos fecham de leve ao ouvir “Santa Clara clareou..” e o pranto cessa com a simples menção de “Menina bonita não chora.”
Alô, alô Tia Léa, quebra essa. Diz que a minha nega não chama Teresa, mas que eu sou Flamengo. Peço com o requinte da gramática: deixe-me pular de faixa em faixa. Deixe-me ir para o meio da rua do mundo e ficar a girar. Que maravilha é o mundo encantado de Jorge.
No céu, o Sol declara o seu amor pela Terra. Nesse mesmo céu, chove sem parar. Sigo esbarrando em figuras fantásticas. O namorado da viúva passou por aqui. Entorto o pescoço na busca do dote físico invejável dela. Pela letra, posso afirmar que aquele ali na frente é Roberto e seu dragão. Corto essa. Aceno para o meu irmão de cor e digo: Take it easy. Ele sorri e me aponta a chegada dos alquimistas. Vejo também Hermes Trismegisto e a sua tábua de esmeralda. Procuro por Xica da Silva, Zumbi, Saci e o príncipe Shah-Jahan.
Antes de sair dessas canções, preciso encontrar o emblemático “Homem da Gravata Florida.” Sai da minha frente que eu quero passar, digo para o vendedor de bananas. Alcanço um caminho de flores e amores. Achei o homem. Peço emprestado o seu relatório de harmonia de coisas belas. Ele atende ao meu pedido. Aquela gravata toca o meu pescoço e é verdade: ela me faz um homem simpático e feliz.
Sinto que a canção está perto do fim. Refaço o gesto de Jorge. Levanto o braço e grito para a banda do Zé Pretinho: em cima! E o meu universo encerra em simpatia.