Quando eu era um pivete de Copacabana, tinha um jogador no Fluminense chamado Delei. Era uma época áurea do trocadilho carioca. Da piada popular. “You talk too much”, canção épica do Run DMC, virou Melô do Taca Tomate. Eram tempos diferentes. Eu estava no meio de uma geração inteira que cantou “tocando de biquíni sem parar” quando o certo era B.B. King. E nesse momento, Delei virou sinônimo de atrasado. Delei=delay, sacou?
De uma certa forma, eu me considero um Delei da música. Eu chego atrasado muitas vezes. Por birra, pirraça ou por ignorância mesmo. Para manter uma opinião polêmica, posso evitar uma determinada banda por anos. Aconteceu algumas vezes. Acredito até que tenho melhorado com a idade. Consigo admitir o erro em intervalos mais curtos. Recentemente, eu tomei um asco do Daft Punk sem nem ouvir o álbum novo. A profusão de “gênio” nas redes sociais era tamanha que, como um menino que recusa cebola sem provar, eu não ouvi. E não gostei. Vociferei contra, aqui e ali. E eis que o caboclo Nile Rodgers me pegou desprevenido. O pé começou a bater no chão, o dedo a tamborilar, senti uma energia estranha. Os tambores do terreiro uniram-se ao verso “I’ll just keep playing back, these fragments of time…”. Cantei para subir.
É uma evolução. Eu evitei os Beatles por anos e anos. Razão? Reafirmar a minha crença de que os Stones eram melhores. Uma bobagem como descobri tempos depois. É uma daquelas discussões infrutíferas. Onde os lados não costumam ceder. Típico assunto que surge em mesa de bar depois de algumas tantas cervejas. Aquela hora em que as pessoas começam a disputar questões existenciais do naipe de: você prefere cachorro ou gato? Frankenstein Jr. ou Johnny Quest? PSOL ou PSB? Scheila Carvalho ou Sheila Mello? Eu disputava e ainda disputo algumas. Quando tomei vergonha na cara e parei de comparar, descobri toda a plenitude dos Beatles. Acabei me sentindo um energúmeno, um jegue-jumbo, uma ameba. Toda a coleção de adjetivos da saudosa quinta série.
Ser um Delei é descobrir o Chico Science depois que ele morreu. Só que tendo que perder um show para isso. É ter que passar uns 2 anos negando a existência do Nirvana para descobrir o que eles significavam em um show na Apoteose. É passar anos sem ouvir bossa-nova, porque não pegava bem gostar dela na galera que eu andava. É ouvir Portishead quando a onda depressiva já tinha passado. É dizer que não gosta de heavy metal e colocar todas as bandas do estilo no mesmo saco. E, por isso, ouvir Black Sabbath com um atraso considerável. É ter como princípio negar tudo que é hype. É não ouvir a banda da semana por desacreditar em bandas da semana. É pau, é pedra, é o fim do caminho da aceitação.
Um verdadeiro Delei não escuta uma banda quando as seguintes frases são proferidas: “você tem que ouvir isso!”. “Você vai rever os seus conceitos quando ouvir isso!”. “O NME diz que você precisa ouvir isso!”. “O mundo está ouvindo isso!”. Por princípio, o Delei-moleque, o Delei-arte nega tudo que venha com exclamações. Nesse momento, as capas de proteção entram em modo on. E pronto: ele não vai ouvir justamente porque indicaram. Eu falo porque fui um mestre nessa arte. No kung fu musical, eu seria o especialista nos movimentos da anta. Da mula. Do empacado.
A idade trouxe um tico de tolerância. Um pouco de nada. O suficiente para me arrepender de algumas tontices. Música é coisa séria. Ainda hoje, tento não ver o iPod dos amigos para não me decepcionar. Fico sentido quando descubro que uma pessoa de que eu gosto ouve sertanejo universitário. Tenho uma certa ânsia quando alguém defende, mesmo que na mesa ao lado, a originalidade do Sambô. Recuso as certezas dos indie-cabelinhos.
Um Delei convive com o vício do pré-julgamento. Ele só aprende a disfarçar ou a dosar. Na dúvida, é melhor colocar um fone e evitar a discussão. Um Delei erra muitas vezes. E acerta outras tantas (obrigado, Sade). É um projeto de polemista.
Eu admito a minha porção Delei. É o meu lado atrasado. Não à toa, tem o nome de um ex-jogador do Fluminense.