Aproveito o clima de Copa para viajar até 1986. No longínquo ano, há uma história perdida no tempo que nos ensina sobre caráter e comportamento. Já li e ouvi diferentes versões do fato, vou me ater a duas possibilidades sem a promessa de ser completamente fidedigno. Dia de folga da seleção. Leandro e Renato Gaúcho perdem a noção de sobriedade e tempo. No capítulo a seguir, eles precisam voltar para a concentração em um estado um tanto alterado. Eles poderiam ter pulado o muro, se Leandro não tivesse passado muito do ponto. Renato poderia, portanto, ter deixado o colega para trás. Não o fez. Ao lado de Leandro, entrou pela porta da frente e arcou com as consequências da sua decisão. O resultado é que Renato Gaúcho, no auge da sua forma, foi cortado da seleção em um dos grandes erros da carreira de Telê (Waldir Peres merece uma menção honrosa).
O outro rumor diz que havia mais jogadores com eles nessa noitada. E que todos retornaram mais cedo e pularam o muro. Não deixaram rastros. Renato foi punido por sua indisciplina dentro de campo, disse a comissão. A sua incapacidade de respeitar os esquemas táticos do técnico determinou o critério. Nas entrelinhas, todos sabiam que entrar bêbado pela porta da frente foi fundamental para a decisão de Telê. O problema é que Leandro não foi cortado e isso nos leva a outra parte da história. Sabendo o que o seu companheiro tinha feito por ele, o brilhante lateral-direito recusou a convocação. E devolveu o gesto de Renato em uma moeda inimaginável. Leandro abdicou de uma Copa para poder descansar a cabeça no travesseiro e manter-se firme aos seus princípios.
Agora, vamos às leituras do ocorrido. Como a torcida reagiu? Criando piadas sobre uma possível relação homossexual entre os jogadores. O que não pode é uma história que ensina sobre caráter ficar relegada a uma piadinha. Se fossem de fato um casal, isso só engrandeceria o que um fez pelo outro. O que importa aqui é que eles foram humanos de um jeito que não estamos mais acostumados a ver.
É muito mais simples e menos desgastante ser conivente. Manter uma postura tem o seu preço e ele costuma ser alto em diversas ocasiões. Saber se você quer arcar ou não com o valor é uma decisão que deve ser pessoal. Explico. Se Leandro e Renato tivessem feito a escolha na esperança do apoio de todo o grupo, eles teriam que lidar com uma inevitável desilusão. Se é verdadeiro o boato de que alguns pularam o muro, pior ainda. Sair pela tangente é sempre a opção com mais adeptos. O que chama atenção na história de 1986 é a convicção de ambos os jogadores.
Falar é prata, calar é ouro, diz o ditado. Aos falastrões costumam recair todos os débitos de uma conta que pode até ser conjunta. Na hora da cerveja, a coragem, a bravata e o discurso são petiscos que acompanham o momento. E como tais, são perecíveis. Acreditar que eles vão se sustentar é ingenuidade. “Enlarge your penis” em mesa de bar é tão crível quanto o famoso spam. Manter uma posição na esperança de retaguarda é pedir para se decepcionar. O segredo é fazer por você. Se você abriu a porta do elevador, não fique irritado porque não ouviu obrigado. Abra a porta com a certeza de que você só sabe fazer desse jeito.
Renato Gaúcho continuou falando. Parece que ele não encontrou outra alternativa. É a sua natureza. Leandro mora em Cabo Frio onde tem estátua e uma pousada. Permanece quieto e sente-se culpado pelo corte do Renato. Tantos anos depois, essas duas figuras ainda carregam o ônus e o bônus de suas decisões. A seleção perdeu dois craques naquele ano. Não penso em futebol, agora. Penso fora do campo. É melhor ter Leandros e Renatos Gaúchos por perto. Entre a conivência e a postura, prefira a segunda. Na dúvida, entre pela porta da frente.
PS: Para Maria Teresa.