Tenho convivido com uma constante pergunta: como é abrir uma startup? Desvio da mesma para passear levemente na infância. Daquele tempo, guardo a viva memória de que, ao fim de uma fábula, você tinha que encontrar a moral. O que ela queria dizer nas entrelinhas. A lebre e a tartaruga nos ensinava sobre a necessidade de persistir. A raposa e a cegonha nos relembrava da importância em medir os seus atos e encerrava com o clássico: “quem com ferro fere com ferro será ferido”. Todas essas lições foram aprendidas à beira da cama. Ou escutadas na coleção Disquinho com uma pequena vitrola laranja. Volto para a pergunta, agora travestido de Esopo, e pinço uma historinha.
Em uma praia ensolarada, caminhava um vendedor de caranguejos. Ele vinha carregando o seu puçá quando foi abordado por um banhista. O gentil homem o alertou:
– Moço, o puçá está aberto. Os caranguejos vão fugir.
O vendedor agradeceu o aviso. Entretanto, não mostrou nenhuma preocupação:
– Obrigado, mas fique tranquilo. Esses caranguejos são do tipo publicitário. Quando um está saindo, o outro vem e puxa para baixo.
Moral da história: o que importa é que o outro não saia vitorioso.
Pode soar pessimista, mas repare. Há uma certa ânsia de que o fracasso do próximo seja a medida do nosso sucesso. Verdadeiramente, tem muita gente cuja principal atividade é torcer contra. Lembro que logo após eu e o Marcão ganharmos o GP de Cannes, o Marcello afirmou: vocês terão as alegrias e as decepções desse prêmio. As decepções vêm primeiro. Horas depois, um amigo passa e solta um muxoxo: que sorte, hein? É, startup tem disso, também.
Por mais “poliana” que pareça, você só sente essa torcida contra quando inicia um negócio. Cada um está defendendo suas terras. Mesmo que elas sejam imensas e uma startup, por natureza, não as ameace tanto. Os soldados são as taxas baixas ou até mesmo a taxa zero. A arma é a recusa de um fee, que seja. A munição é a vontade de diminuir o concorrente com argumentos que passam longe de trabalho. Chumbo neles! Ora, a quem interessa um mercado com menos agências? Aos clientes, certamente não é. Nada é mais sadio do que um ambiente onde exista a possibilidade real de escolha. Onde a mudança é motivada por estilo de trabalho e não puramente por mais ou menos dinheiro.
Voltemos ao puçá. Agora, olhando pelo lado positivo. Entre os caranguejos, ouço um murmurinho. Um desejo velado de que a corrente mude de lado. Como os pequenos alienígenas do Toy Story, há os que olham para cima à procura da garra. A garra! São esses que dão força para pisar em novas terras. Que impulsionam a reverter a fábula. É tudo uma questão de escolher a turma certa dos crustáceos.
Não tenho a menor paciência para autoajuda. Guardo, porém, um presente do meu amigo Ricardo Wolff. Um livro chamado “O que Keith Richards faria em seu lugar?”. É uma coletânea de frases do Highlander do rock que podem ser usadas em diferentes momentos da vida. Uma que eu adoro: “A última vez que eu disse ‘sim, senhor’ foi na escola”. É isso. É preciso um pouco de empáfia para aceitar os riscos de sair do seu conforto. Quem muito abaixa a cabeça acaba mostrando a bunda. Ou como dizíamos na minha Copacabana saudosa: não sabe brincar, não desce para o play.
Então, qual é a moral de começar uma startup? Qual a lição que pode sair de uma empreitada como essa? Mergulhe na fábula e misture-se aos caranguejos. Lembre-se do banhista que avisou que o puçá estava aberto. Começar um negócio é acreditar que podem segurar nas suas patas com força, mas você será capaz de sair da cambada. Basta procurar pelos companheiros certos, que eles farão a escadinha. Startup é saltar até sentir a areia nas patas. É contrariar a natureza do caranguejo. É andar para frente.