Arquivo mensal: agosto 2014

Essa tal felicidade

Uma das principais dúvidas que cerca a relação empresarial é o quão sinceros nós podemos ser. Porque, no fundo, o que se espera é uma sinceridade compatível. Logo, quando um chefe pergunta para o seu funcionário se ele está feliz, a resposta prevista no script é: “sim”. É a mesma expectativa carregada pelo criativo que aborda o colega com a frase: “tive uma ideia genial. O que você acha?” Ele não quer uma opinião, quer uma confirmação. De verdade, não estamos preparados para quebrar as nossas certezas. Em uma recente pesquisa publicada na Você S.A., mais de 70% das pessoas disseram estar infelizes no trabalho. Talvez seja a hora de começar a abrir espaço para respostas não esperadas.

A insatisfação ronda as agências como uma bruma silenciosa. É muito difícil perceber os sinais olhando de cima da neblina. Eles, em geral, começam nos assistentes, na ala mais júnior, nas pontas em que o salário não é suficiente para anestesiar. Nas outras áreas, há o dinheiro, o status, os antidepressivos e ansiolíticos. Sugiro o seguinte exercício: mencione que você toma um tarja preta na criação, finja que esqueceu o nome e espere. Aposto em uma profusão natural de Zoloft, Pristiq, Cipramil, Prozac, Fluoxetina, Rivotril, Lexotan. Fale sobre Dormonid e escute sobre Stilnox. Fora o café, o Red Bull e as variantes que nos deixam acordados. O assustador é que fale-se tão pouco sobre esse mal.

Vivemos sob uma falsa verdade de que a felicidade só pode ser conquistada com sofrimento. O bom trabalho só surge da pressão. Ficamos doentes sem notar. É um processo insidioso. O cabelo cai, a pálpebra treme, o pescoço dói e achamos que não é nada. Um amigo criou um sistema para notar se há algo de errado com a equipe. Basta realizar um cruzamento de pedidos de reembolso de psicoterapia, psiquiatria e até fisioterapia. Se muitos surgem do mesmo setor, é porque algo não anda bem. A função do RH passa a ser de alarme de emergência. Péeeeeee!

Até 2020, a depressão será a segunda causa de improdutividade das pessoas, seguida apenas de doenças cardiovasculares. Nos EUA, o estresse provoca um custo de mais de US$ 300 bilhões. No Brasil, esse custo pode chegar a quase 4% do PIB, como diz André Caldeira, uma das poucas vozes a tocar nesse assunto. É um cálculo que deveria mexer com as empresas. Envolve absenteísmo, baixa produção, falta de comprometimento e dificuldade de reter talentos. É um perder eterno. Não é por acaso que o turnover nas agências seja tão intenso. Qualidade de vida ficou démodé.

É comum, entretanto, a reclamação sem movimento. O rosnado na inércia. Ficamos presos em uma zona de conforto do salário, sem coragem de andar. Como bem define a Luciana Ceccato, somos prisioneiros com uma bola de diamante presa ao pé. Falamos que não aguentamos mais carregar o peso, mas não o abandonamos porque, afinal, é diamante. Isso inclui os chefes.

O que me leva a Jon Favreau e um final com um sopro de esperança. O aclamado diretor da franquia Homem de Ferro está em cartaz com a módica produção: Chef. O personagem é um chef de um grande restaurante cercado de pressão. Após uma discussão, ele mantém seus valores, sai do emprego e se vê dentro de um food truck. Nas palavras de Jon, ele fez esse filme para não responder a ninguém, para fazer tudo em uma escala pequena o suficiente para expressar a própria voz. Diretor e personagem misturam-se em busca de uma sensação inspiradora: a do recomeço. Eu me misturo a eles. Em um certo diálogo, o chef diz: estou completamente perdido. E a hostess responde: esse é um bom lugar para começar. Tudo bem que a frase vir da Scarlett Johansson facilita muito a decisão. O chef encontra a tranquilidade e a Sofia Vergara. Não espere tanto. A tal da felicidade é difícil de achar, mas parado e reclamando é que ela não vem mesmo.

Chef-Jon-Favreau-Pictures-Emjay

 

A culpa não é do Cerezo

A tragédia aconteceu muito antes do 7×1. Não prestamos atenção aos sinais. Nosso ufanismo embalado pelo triste grito de “com muito orgulho, muito amor” ocultou o óbvio por décadas. Mudamos o rumo no Sarriá. Ali, o Brasil era a criatividade. A Itália era o pragmatismo. Nós éramos inesperados. Eles eram táticos. Nós éramos a big idea. Eles eram uma apresentação de ppt. Perdeu a criação, ganhou a estratégia fria em busca de resultado. Naquele dia, tudo foi redefinido. Esquecemos as nossas raízes, viramos péssimos imitadores. Abalados com a derrota, passamos a buscar a conquista a qualquer preço. Arrumamos desculpas para jogar feio e defendemos um esquema mesquinho que valoriza o 1×0. Nas categorias de base, a peneira passou a catar os mais fortes, os mais táticos em detrimento dos criativos. Ganhamos duas Copas com poucos craques. Romário, Bebeto, Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho nos deram uma falsa sensação. Erguemos e perpetuamos o semblante tedioso do Parreira como símbolo de vitória. Até chegarmos ao ápice de contar com um só jogador capaz de mudar o jogo. Não adianta mais cantar o hino gritando. Só essa tragédia pode nos redimir.

Dunga nunca entendeu por que falamos de Zico, Falcão e Sócrates. Para ele, a vitória está acima de tudo. Um redator com 12 Leões talvez não entenda se eu disser que há um criativo que nunca ganhou Leão, mas que tem um trabalho infinitamente melhor do que ele. Para esses redatores, os números são o que importa. E na análise fria, ele se vê mais vitorioso. Aqui cabe uma comparação que antevê a tragédia. O mundo da propaganda também mudou. Do mesmo jeito que os volantes foram sendo valorizados, estamos vendo distorções que pioram o jogo. Começo por essa já citada. Corremos atrás de números e, ao fazer isso, criamos uma base que não gosta de briefing de verdade. Que não sabe se portar em frente ao cliente. O resultado são argumentos de vento, mas egos de aço. Prêmio é negócio, não há dúvidas. Só que não pode ser a única meta. Nesse ano, ouvi um criativo dizer “ufa” ao invés de comemorar o Leão. Algo está muito errado. Em contraposição, repito a frase de um diretor da Sadia para o Neil Ferreira: “O seu comercial me ajudou a construir três fábricas”. É preciso olhar para os craques do passado e descobrir qual é a nossa função primordial.

As relações de trabalho também estão repletas de volantes. Pense em quantas pessoas passam o dia tocando a bola para o lado. Pense em quantas decidem para valer. Aos poucos, diluímos a autonomia e a capacidade de fazer diferença. Nesse ambiente, a ideia perde valor para o esquema burocrático defendido por cada setor, sem a preocupação com o todo. A estratégia oprime a criatividade com a certeza de que se o dinheiro entrar, não importa se é bom ou não. Tasca celebridade e vai. Uma olhada em qualquer ficha técnica é suficiente para perceber o inchaço desse jogo. Como diz o George Lois: muitas pessoas podem criar um celeiro, mas não criam uma grande ideia. Na prática, é muito kick-off (o popular chutão) e pouca jogada memorável.

É possível fazer um paralelo entre a estratégia não treinada e apresentações de último minuto com retroplanejamento para justificar o conceito criado na madrugada. Há uma metáfora clara entre os jogadores que estrelaram e perderam o foco e profissionais que se autointitulam gênios ou gurus. E que tal falarmos da patética ausência de autocrítica do Felipão e do Parreira? Acontece muito, também. O excesso de mídia em torno dos jogadores criou uma mania de correr para a câmera dizendo: eu sou foda. Acredite. Sempre que alguém faz isso, raramente é. Vale para todos os segmentos.

Em 1982, chorei como um menino. Em 2014, não verti uma lágrima sequer. Na seleção e no trabalho, só me emociono com os craques. Com os que se entregam. É hora de repensar. O 7×1 demorou a chegar e a culpa não é do Cerezo. É de todos nós que passamos a nos contentar com pouco.