Não são raras as vezes que tenho pensado nessa cena. Em uma sala qualquer, um pai está sentado lendo o seu jornal. O filho adentra com aquele ar de quem carrega uma confissão na ponta da língua. A leitura está com segundos contados, pensa o pai. A ansiedade toma conta do ambiente. O menino balança as pernas inquieto, como quem segura a vontade de fazer xixi, e solta a fala represada:
– Pai, eu não quero mais ser médico. Decidi que vou ser Gregório quando crescer.
O pai, que já antevia essa mudança, argumenta:
– Filho, você tem certeza? Não é melhor ser Porchat?
O discurso estava ensaiado. Sem gaguejar, o menino continua a sua empreitada:
– Deve ser muito cansativo ser o Porchat, pai. Já sonhei ser ele, mas sinto que me falta a bateria recarregável. Sabe quem ele me lembra? O Obelix. Só que banhado em energético e cápsulas de guaraná. Gregório é o que eu quero ser.
Espero, de verdade, que essa cena esteja acontecendo agora mesmo. Porque vai nesse pensamento a certeza de que precisamos de mais Gregórios por aí.
Gregórios não têm medo de expor as suas opiniões, mesmo sendo tão novos. São pessoas carregadas de uma maturidade que secretamente desejam não ter. Eles penteiam o cabelo para o lado, não se preocupam com moda e não sabem ao certo que cara fazer em uma fotografia. Gregórios são tímidos, porém não se furtam de colocar para fora seus dilemas mais íntimos. É uma questão de tempo, apenas. Gregórios não estão aqui. Vivem à procura de uma Conchinchina possível. Quando não a encontram, vestem um personagem e saem por aí a pular de roupa coladinha verde. Gregórios têm pequenos arrependimentos pela perda de tom na piada, mas guardam um orgulho da coragem. Eles andam pelos cantos, não chamam muita atenção e alguns poucos têm a sorte de conseguir canalizar tudo o que passa pela cabeça. Gregórios não acreditam em horóscopo, mas pegam leve em piadas bíblicas. Vai que o castigo aparece, né? Eles se acham culpados de algo, mesmo sem saber exatamente o quê. Gregórios não pegam a Letícia Lima, mas se casam com a Clarice. A felicidade deles mora em coisas simples tal qual um churro. E isso explica um tanto a saudade de 2003. Gregórios parecem frágeis, inofensivos, avoados. Eu acreditava nisso até que a minha mulher abraçou um deles (o mais famoso) em um evento e disse que ele era cheiroso. Os amigos dos amigos dos Gregórios não entendem quando dizem que Gregórios são engraçados. Eles não se acham e por isso não se perdem.
Duvivier é verbo com diferentes significados. Gregórios saberiam conjugar em todos os tempos. Duvivier é a arte de discordar educadamente. É sorrir com o canto da boca. Quando eu duvivier é uma expressão que pode ser lida de tantas maneiras que seria capaz de travar o tradutor do Google. Duvivier é o ato de expurgar fantasmas familiares com leveza. É um verbo que significa amar o seu irmão acima de tudo e lembrar de agradecer os amigos. Duvivier é saber fazer a voz fininha com maestria. É rir baixinho de si mesmo. É se achar ridículo. Duvivier é aguentar calado um imbecil na mesa ao lado que o agride verbalmente. É brigar pelo que é justo. Pode ser em texto, piada ou em uma imitação de pastor. Duvivier é não temer o proibido e discordar de tudo que está sendo falado aqui.
Escrevo sobre Gregório Duvivier com a autoridade de quem não o conhece. E com uma inveja descarada da sua criatividade e da sua postura. Agora, preciso voltar ao menino da sala. É lá que termina esse texto. O pai olha admirado para o rebento. Com gestos mínimos, ele larga o jornal e diz orgulhoso:
- Vai, meu filho. Vai Duvivier a vida.