A história começa no século XV com um pote de cerâmica quebrado e um shogun chamado Ashikaga Yoshimasa. Transtornado com o infortúnio, o shogun envia a peça para ser consertada na China. Após uma longa espera (imagina o correio da época), a peça retorna com emendas de metal em um acabamento medonho. Insatisfeito com o resultado, Ashikaga pede que alguns artesãos japoneses tentem resgatar a beleza perdida dessa cerâmica. Nascia o Kintsugi ou Kintsukuroi, a arte de restaurar que utiliza uma mistura de laca e pó de ouro, fazendo de um vaso quebrado, um objeto ainda mais valioso. Ao invés de varrer os cacos, o Kintsugi acolhe os danos. É uma tradição que dá um novo significado aos defeitos e aceita as imperfeições dos objetos e, por que não dizer, da vida. E ao fazer isso, o que estava quebrado, renasce com um novo propósito.
2015 é o ano que já nasceu quebrado. A maneira como vamos encarar esse momento é fundamental para o que nos espera lá na frente. A atitude mais irresponsável de todas é tentar varrer os cacos para debaixo do tapete e fingir que está tudo bem. O que, claramente, não é uma opção. Porém, vale uma reflexão: no momento em que as montadoras estão com os pátios cheios, em que o mercado imobiliário empacou, que o setor naval já demitiu mais de 30 mil empregados, imagino que os clientes estejam mais ávidos em aprovar soluções de negócio do que apenas ideias para festivais. Andar por esse último caminho pode, inclusive, soar imaturo. O ano pede para olharmos para outro umbigo.
Uma outra possibilidade é fazer uma cópia de um 2015 que a gente tinha na cabeça. Um ano que antecederia as Olimpíadas, com um mercado efervescente, repleto de oportunidades, com um dólar mais amigo. Pode soar absurdo, mas acontece, viu? Pense nas vezes que você já viu um criativo trabalhar fora do briefing como se os problemas reais fossem algo a ser descartado. Um aviso para quem está nesse módulo: esse ano não vai ter a trilha da Enya, não. Nem aquelas fontes de água feng shui para acalmar a mente. Ou a gente encara os danos ou a realidade há de engolir o campo do imaginário.
Podemos, é claro, jogar todos os pedaços de 2015 no lixo, sem piscar. Basta ficarmos quietos na sala de estar, olhando pela janela e esperar pela meia-noite de 31 de dezembro. Ali, soltaremos fogos e abraçaremos 2016 como quem acaba de encontrar a solução para todos os problemas. É a tática “faça cara de paisagem”.
O shogun Ashikaga Yoshimasa não pensaria duas vezes antes de mandar 2015 para os artesãos. Cada caquinho desse ano seria retrabalhado de um jeito que criasse uma nova peça com emendas feitas em pequenos fios de ouro. O Kintsugi ensina a olhar para 2015 aceitando o fato dele já estar quebrado. Não há tempo para lamúrias, nem para ficar olhando os pedaços no chão. A nossa única saída é reconstruir e rápido. E pensando que ainda que demore, a peça resultante pode ser mais valiosa.
Esse ano começa a ser refeito na admissão que a inércia não é uma alternativa. É hora de colocar em prática todos os clichês tão falados: pensar fora da caixa, buscar novas fórmulas, quebrar paradigmas. Há uma lenda que a crise não bate nas agências do mesmo jeito que bate nos clientes. Se você é cliente e pensa assim, desafie a sua agência a pensar o futuro do seu negócio. Se você é agência, antecipe-se ao cliente.
O ano de 2015 está no chão. Pegar uma vassoura ou uma mistura de laca diz tudo o que você espera dele. Eu não vou revelar a minha escolha. Por isso, com as mãos carregadas de resquícios de pó de ouro, prefiro encerrar o texto por aqui.