Arquivo mensal: agosto 2015

De repente, California

O mercado internacional abriu as portas para os criativos brasileiros. O que era um sonho distante virou uma possibilidade real. A cada Festival de Cannes que se encerra, observamos uma debandada de redatores e diretores de arte para o estrangeiro. A cada turma da Cuca ou da Miami Ad School formada, vemos meninos e meninas dando um salto triplo em direção à gringolândia. É preocupante. Se hoje temos problemas para reter talentos, em um futuro não muito distante teremos dificuldades em encontrá-los. Porém, não é disso que venho a escrever. Meu tema é mais egoísta. É sobre um amigo que se vai sem planos.

Em um mercado cercado por disputas e vaidades, nem sempre é fácil encontrar um amigo de verdade. Teoricamente, estamos todos a brigar por clientes, júris, prêmios, aplausos. Quando trabalhei na F/Nazca S&S em 2001, a equipe era pequena. Há, inclusive, um anúncio com uma fila de toda a criação que soa inacreditável nos dias de hoje. Eram tempos diferentes. A carga de trabalho era pesada, o clima não. E naquelas madrugadas com a disputa da pizza da Camelo contra a pizza do Brás, grandes amizades foram forjadas. Quis a ironia do destino que de tanto chamar o Edu Lima de o último romântico, ele tenha escolhido outra canção do Lulu Santos. E agora, vai viver a vida sobre as ondas.

Diz a mitologia que Eduardo não sorri. Até entrar na F/Nazca, eu desconhecia a cara mal-humorada dele. Bastava conhecer o trabalho. Por 8 anos, tive o privilégio de descobrir um pouco do método, de assistir de camarote o nascimento de campanhas famosas, de estar lado a lado com o Fabio e com o Edu. Ouvi o “são três voltas de vantagem no marido corno” saindo direto do forno, vi performances memoráveis em reuniões (em especial, uma dança de ladinho), entendi um pouco do ímpeto de Sr. Fedricksen. E aqui revelo: Edu é o Milli Vanilli da raiva. É tudo fake.

Guardo comigo histórias impublicáveis e outras que viraram lenda urbana. Dentre elas, o dia em que ele quebrou com pisões um cronômetro que sempre despertava. Detalhe que o apetrecho era do Fabio, que observou a cena incrédulo. Da dupla com o Lincoln, levo todo o folclore pernambritânico e a mítica frase: me diga o que eu estou pensando, Edu. Da sua mesa, mantenho preservada a visão da maior montanha de lixo já acumulada em uma agência. E sobre todas as coisas, carrego a amizade.

Edu nunca teve frescura lá em casa. Senta no chão, fala besteira, dispensa pose. Dia desses, encontrei uma foto dele recostado em uma poltroninha vermelha da minha filha. É um bom resumo. Os Limas são uma extensão fundamental para mim, para a minha mulher, para as pequenas. E sem eles por perto, os jantares da sexta perdem uma certa graça.

Sei que deveria falar sobre o mercado aqui, mas não consigo fazer essa separação. Grandes profissionais só me interessam quando são grandes pessoas. Ao exercer uma liderança silenciosa, Edu me ensinou que esses mundos podiam se encontrar. Por 2 anos, eu o Marcão Monteiro fingimos que recebíamos revistas gratuitas para provocar o chefe que nada ganhava. O bullying superava a hierarquia.

A natação é outro espaço sagrado para ele. Nesse último ano, adentrei à sua turma de nadadores. Na piscina, ele não é o Edu premiado, é só mais um a ser provocado. A ida para a California desfalca a raia centenária e encerra os lamúrios irritados entre uma série e outra. Pobres técnicos americanos: mal sabem o que vem pela frente.

Contrariando a regra subliminar de que não devemos fazer elogios públicos, aqui o faço. Edu é um grande amigo que parte. Um profissional que fez do trabalho o seu melhor release. Quando saí da F/Nazca, ele evitou se despedir. Retribuo a gentileza. Até mais ver, seu velho rabugento. Que os balões de gás amarrados na sua casa levem os Limas para lugares incríveis. E muito obrigado por tudo.

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