Arquivo mensal: dezembro 2015

Complicação pretensamente embasada também é complicação

Quando eu falo preto, o que você responde? Se eu digo manhã, que outra palavra lhe surge repentinamente? Antes de seguir, é de bom tom confessar que furtei essas questões durante a palestra mais rápida que já presenciei. Uma conversa com Pete Favat, CCO da Deutsch Los Angeles, no Ciclope Festival, o melhor menor festival de publicidade do mundo. Com essas singelas perguntas, ele capturou todas as atenções do auditório em segundos. A platéia respondeu: branco e noite como era esperado. E a partir de então, estávamos todos de mãos dadas com Pete para um passeio em busca de um inimigo.

Em algum momento, falar sobre publicidade ficou extremamente complexo. Surgiram especialistas de todos os cantos, cada um defendendo a sua palavra da vez como a forma de construir marcas. São teóricos, muitas vezes, sem nenhum case de sucesso de próprio punho. Na falta de autoria, vivem de suposições, de jogar bombas de fumaça colorida nas apresentações. Bob Hoffman divide o mundo de hoje entre dois tipos de profissionais: simplificadores e complicadores. Enquanto simplificadores focam no essencial, complicadores não conseguem distinguir pertinência de irrelevância. Eles misturam tudo em um imenso bolo e criam camadas densas de ppt e regras para cada um dos ingredientes. No fundo, o complicador morre de medo de resumo porque não conseguiria resumir o trabalho, nem a si mesmo. Ele é um briefing de nove páginas.

Pete Favat desenhou a sua palestra sob à ótica da simplicidade. Voltando às questões, repare no detalhe fundamental de que não pensamos em cinza, nem em tarde como respostas. Por que? Bom, segundo Pete, engajamento raramente acontece no meio. ‎O meio é aquele dia nublado, escondido com medo de ser sol, sem peito para virar temporal, é o morno, o sorvete de baunilha. Em um mundo cercado de mensagens, relevância é procurar a área de tensão quando a maioria prefere a comodidade de ser paisagem. Pete defende que as pessoas não se importam com o que você (clientes e agências) têm a dizer. Ninguém em sã consciência acorda pensando: hoje eu vou me engajar com essa marca para valer. Vou sair distribuindo likes e corações e, em seguida, vou compartilhar com os amigos. Para chamar atenção é preciso aceitar riscos. David Droga costuma perguntar para a equipe quando lhe apresentam um trabalho: por que alguém daria a mínima para essa ideia? Nas entrelinhas, ele está a clamar por relevância,  sentido e uma resposta simples.

Todas as grandes histórias têm um protagonista e um antagonista. Logo abaixo dessa frase, estavam as capas de alguns livros recordistas de vendas: “1984”, “Harry Potter”, “Código da Vinci”. Pete Favat apresentou esse slide e ressaltou que sem Darth Vader, não haveria a polaridade necessária para que “Guerra nas Estrelas” fosse um sucesso. Sem aquela barbatana de tubarão e o mar tingido de vermelho, Steven Spielberg teria realizado mais um filme insosso sobre as férias na praia. Sem tensão há menos atenção.

Próximo slide: grandes trabalhos têm um inimigo declarado. Para sustentar a tese, Pete Favat exibiu a célebre foto do jovem Steve Jobs mostrando o dedo do meio para um letreiro da IBM. Na sequência, revelou alguns sucessos e seus rivais. Para Chipotle, o adversário são os produtos químicos nos alimentos. Para Domino’s Pizza, o inimigo dormia ao lado e era a qualidade da sua receita. Para a campanha Truth, as mentiras da indústria de tabaco. Para a Apple, o conformismo e o tédio.

A palestra durou 14 minutos, com menos de 20 slides. Pete Favat é um simplificador. Sem enrolações, ele deixou o auditório com uma mensagem clara: encontre o seu inimigo. Parece fácil, mas exige coragem e a noção de quem nem tudo é previsível. Não há cálculos, nem teorias que garantam uma rota certeira rumo ao sucesso. Meu inimigo declarado é a complicação pretensamente embasada.