A minha vida tem uma trilha Roberto e Erasmo. Mesmo que eu não quisesse, as canções seriam inevitáveis. Foi na coxia do palco que eu passei um belo pedaço da infância. Já tive um misto de tudo em relação a essas músicas. Ódio, amor, ternura, cansaço, tédio, carinho. Hoje, guardo o aprendizado de ter visto de perto, por tantas vezes, dois grandes homens da música popular brasileira.
Já escrevi sobre o Roberto, sobre o que a TV mal mostra. Muito se fala das suas idiossincrasias, pouco se fala sobre a grandeza de seus pequenos gestos. O Rei é, antes de tudo, um cavalheiro. Um homem que mesmo no altar por tanto tempo, não perdeu o tato com quem lhe colocou lá. Falar sobre o Roberto Carlos é tão magnético que percebo a injustiça que é esquecer o Erasmo nessa trajetória. E aqui serei absolutamente pessoal.
Minha mãe começou a trabalhar com o Roberto quando eu tinha 5 anos de idade. Volto para aquele menino e olho para cima. A figura do Erasmo sempre me foi mais encantadora. Ele tinha uma atitude completamente diferente dos pais dos amiguinhos da escola. Pulseira, jaqueta de couro, jeans, cabelos rebeldes e uma mania de falar “bicho” para tudo. E mais: não se dirigia às crianças na linguagem “tatibitate”. Ele falava como se fossemos um deles. Desconhecia na época, o apelido que tanto lhe define: Gigante Gentil. Para uma criança, gigante era uma bela definição sobre aquele ser que caminhava a passos largos e ego curto. Ele era uma festa de arromba em si só.
Agora, pense nas canções. Pense que houve um momento na música brasileira que era necessário mais do que repetir vogais nos refrãos para ter sucesso. Que as melodias podiam ser mais trabalhadas sem demérito de vendas. Roberto e Erasmo já sofreram todos os tipos de críticas ao longo do tempo. A música continua mais forte e atravessa gerações com a partitura blindada. Ela nos toca de alguma forma. Ouvir Roberto e Erasmo é entrar em contato com uma parte da nossa história. Podemos rejeitar, até. Argumentar que é brega, que relembra a tristeza do Natal, que remete a um tempo que já foi. Em tempos brutos, prefiro me apegar ao romantismo escancarado de “Detalhes”. Que linda canção.
Regresso aos caracóis do Erasmo. Relembro o afago que ele me deu na missa da minha mãe. Para em seguida, bater no seu peito, na altura do coração em mais um gesto típico de sua gentileza e capacidade de entrega. Erasmo tem um silêncio carinhoso. Repasso alguns momentos da infância com o Léo e o Gugu correndo pelos bastidores. O vascaíno e o quase zagueiro rubro-negro. Em comum, a verdadeira adoração pelo pai. Inevitável achar tudo o que ele passou recentemente injusto. Contra a ordem natural da vida. Eis que Erasmo me reserva outra lição com a frase: “meu filho gostaria que eu continuasse tocando”. E assim o fez. Eu buscando os porquês, ele seguindo em frente de peito aberto.
Erasmo volta aos palcos com a certeza de que a sua força está na música. Cercado de uma banda jovem, ele continua a figura menos badalada de uma dupla que tanto nos deu. É mais uma característica que me faz admirá-lo. Compor para Erasmo é como o ato de beber água para nós. É natural e ao mesmo tempo vital. Caminho pela discografia de Roberto para confirmar o que sentia: não haveria Rei sem o amigo de fé, o irmão camarada, o Tremendão.
Hoje, eu olho para o Erasmo com a mesma curiosidade de um menino de 5 anos. Aquela figura continua encantadora. E, agora, mais Gigante. Agradeço a sua música que me toca como uma oração, bato no peito e devolvo o afeto que sempre me deu. Um beijo, Erasmo.