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Uma Austin aonde o SXSW não chega

Austin, Texas, Estados Unidos. Uma cidade que carrega ao seu redor uma nuvem de palavras, tais como tecnologia, vanguarda, inovação, futuro, criatividade, música, blockchain, entretenimento. Aqui, é onde acontece o South by Southwest, mais conhecido pela sigla SXSW. Um festival que, no mundo antes da pandemia, reunia dezenas de milhares de pessoas de diversos países para discutir tendências, apontar direções, lançar novos artistas, debater comportamentos de consumo e outras pautas da nossa sociedade. Até aqui, provavelmente, nenhuma novidade para o leitor do Meio & Mensagem.

Austin, Nova Iguaçu, Brasil. Um bairro que fica próximo à divisa entre os municípios de Nova Iguaçu e Queimados. O nome é uma homenagem ao engenheiro que projetou a linha férrea da região, Charles Ernest Austin. O bairro de Austin é parte de uma região tradicionalmente negligenciada por políticas públicas e com uma nuvem de palavras bem diferentes da sua consagrada homônima. Enchentes, descaso, transporte precário, falta de rede de esgoto. Em matéria publicada no jornal Extra, em novembro de 2020, uma moradora do bairro resume: “Uma rua vira rio. A outra vira lama. A gente precisa urgentemente de asfalto. Mas os candidatos só aparecem aqui de quatro em quatro anosQuando ganham a eleição, somem.”

Austin, Texas, já foi eleita por duas vezes consecutivas como a melhor cidade para se viver nos Estados Unidos. Ostenta também o título de cidade com o maior número per capita de locais com música ao vivo no país. Entretenimento não é um problema. Educação, tampouco. Segundo o U.S. News & World Report’s Ranking, 97% da população de Austin têm o segundo grau completo e 31% têm pós-graduação. A taxa de desemprego fica na faixa de 3%. A cidade tem uma boa concentração de empresas de alta tecnologia e um custo de vida menor quando comparada à região do Vale do Silício. Ainda assim, o Economic Policy Institute’s Family Budget Calculator indica que o preço para se viver em Austin é de US$ 3.197 por mês, por adulto.

Austin, Nova Iguaçu, tem cinco praças consideradas espaços de recreação públicos. A população reclama da ausência de creches, de saneamento básico, de falta de iluminação e de ter que enfrentar longas caminhadas para chegar a um ponto de ônibus. Em matéria da Agência Brasil, encontra-se uma investigação sobre a ação de milícias no bairro: “Os milicianos passaram a controlar pontos de mototáxi, serviços clandestinos de TV e internet e até mesmo fornecimento de água e cestas básicas.” De acordo com dados do IBGE, o salário médio mensal dos trabalhadores formais é de 2,1 salários-mínimos, e a cidade de Nova Iguaçu ocupa a posição de número 4.435º no ranking educacional brasileiro.

Austin, Texas, teve a sua edição do SXSW realizada virtualmente neste ano. Entre as tendências de tecnologia apresentadas, estão a integração do corpo humano aos sistemas inteligentes, o metaverso e novas formas de interação, o avanço acelerado na criação de personas com aplicação de inteligência artificial.

Austin, Nova Iguaçu, teve uma crise no abastecimento de água no final de 2020. Alguns moradores ficaram duas semanas sem água. Tudo isso no meio de uma pandemia em que a recomendação é lavar as mãos sempre que possível. Não há tendência de mudança para os problemas de sempre, e a discussão agora deve ser em torno do auxílio emergencial. Existe uma única agência bancária nessa Austin.

Não é preciso esmiuçar mais os dados comparativos. Há, entre uma Austin e a outra, um abismo gigantesco. O Instituto de Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) aponta que a pandemia agravou a desigualdade no acesso à internet no Brasil. Diz a matéria do caderno de Economia do jornal O Globo: “Os dados cruzados pelo instituto mostram que só 29,6% dos filhos de pais que não tiveram qualquer instrução têm acesso à banda larga. Nos lares onde os pais têm curso superior, essa parcela sobe para 89,4%. E mais: 55% dos filhos de pais sem instrução não têm acesso à internet. A fatia cai para 4,9% quando os pais concluem a universidade”. Há um processo de exclusão digital em andamento que é pouco discutido. Falamos como se o EAD, o trabalho remoto ou mesmo o Clubhouse fossem uma realidade para a maioria. Parafraseando o Lucas Schuch, talvez a gente se importe demais com dados do SXSW e de menos com os do IBGE. O mesmo IBGE que deve ter um corte de 90% no orçamento do Censo Demográfico de 2021, e o mercado não pareceu reclamar. Há todos os tipos de dados sobre Nova Iguaçu, no IBGE. E é importante para entendermos, em um nível municipal, as condições em que vive cada um dos brasileiros.

Quando pensamos em TV, deduzimos que ela sempre esteve em todos os lares do Brasil. Em 1970, 95% dos lares nos EUA possuíam TV, enquanto, por aqui, esse número era cerca de 24%. A evolução do Brasil nas décadas seguintes dá boas dicas sobre a relação do brasileiro com o meio; 56% em 1980, 74% em 1990, 87% em 2000 e somente em 2008 o Brasil alcança os mesmos 95% dos EUA. Há uma curva longa de tempo entre as duas Austins, mesmo quando falamos de TV.

Na Austin do Texas, antes da pandemia, podíamos ficar na fila das mais incríveis palestras, aprender, escrever textos sobre o que faríamos assim que voltássemos ao Brasil (que o Ryan Wallman chamou de pico da hipérbole ilusória seguido da sensação de que isso vai dar trabalho demais para ser aplicado) e, é claro, ver e ser vistos. Essa é uma Austin rica em soluções, enquanto a Austin daqui é carente delas.

O método Sarkisiano.

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Você é um daqueles que acredita que é relativamente tranquilo chegar em uma ideia? Então, você nunca viu o Gustavo Sarkis trabalhando. Imagine aquela posição clássica do Chico Xavier psicografando. Agora, adicione o drama da chegada cambaleante daquela maratonista suíça nas Olímpiadas de 1984. O Sarkis criando é algo por aí. É sofrido, é duro, é emblemático. Para quem acredita em inspiração no ar, em flanar à espera da iluminação, em todas as bobagens do gênero, é um soco de realidade.

A direção de criação me deu a oportunidade de entender mais sobre os métodos que cada um tem para chegar em uma ideia. O que já era algo que eu adorava observar, hoje ficou mais fácil. Meter nome na ficha técnica sem fazer nada também é fácil, mas isso é assunto para outro texto. O fato é que escolhi falar do Sarkis porque ele é o cara mais disciplinado que já conheci trabalhando. Ressalto o trabalhando porque a caminho da academia, ele é facilmente seduzido por um almoço. Mesmo que seja no fatídico America. Outro motivo é que ele está longe, na distante California. E sabe como são homens, né? Sempre difícil elogiar quando o cara está logo ali pertinho.  Afinal, qualé, tá me estranhando? (cusparada no chão, coçada no saco). E, claro, ele é um redator brilhante.

Logo que eu cheguei na AlmapBBDO, percebi o sofrimento do Sarkis. Não resisti a isso e num ato típico de bullying, ao invés de roubar o lanche do coleguinha, resolvi tirar umas fotos escondidas dele trabalhando. Rapidamente, eu coletei um enorme acervo. Ele com a testa encostada na mesa, ele com a mão na cabeça em desespero, ele olhando para o monitor perdidamente, ele com as mãos em oração, ele atormentado. Um tempo depois, minha filha pegou o meu celular, viu as fotos e me perguntou: pai, quem é esse seu amigo tão triste? Era uma dor contagiante.

Gustavo Sarkis vem de uma escola de redatores focados. O fone no ouvido só toca música em caso de esquizofrenia. É um Peltor anti-ruído desses que os caras usam à beira de uma turbina de avião. Ele não usa MSN, iChat, joguinhos e, arrisco dizer, que nem vê putaria. Não há distração em seu mundo. É um pólo oposto do meu jeito de fazer. Coleciona pequenos pedaços de papéis com anotações aleatórias. Coisas quem nem são, mas que podem ser. Esse método rendia dezenas de páginas de ideias, toneladas de roteiros. Não, não são todos embaixo do mesmo conceito. Ele abre picadas e caminhos para todos os lados. É um peregrino faminto, fominha, incansável, obstinado em levar a maior e melhor pilha. Apresentar ideias ao lado dele é como fazer xixi ao lado do Kid Bengala. E ele adora repetir, tal qual Dulcídio Caldeira (também conhecido como Obsessídio Caldeira), que a ideia nasce do herpes.

Ele sempre vai até o limite para criar qualquer coisa. Lembro que na época do cachorro-peixe, havia um outro roteiro brilhante para a mesma campanha. Ele descartou no caminho por crer que bastava aquele. Não me lembro dele agindo como estrela, não me recordo dele destratando ninguém, nem de permitir que o seu o ego saísse fazendo besteira por aí.

Sarkis está entre os meus redatores favoritos por ser simples mesmo sendo tão complicado criando. Eu gostava de implicar dizendo que ele era baiano de condomínio. Cresceu jogando capoeira no carpete, enquanto as suas ideias eram nutridas com danoninho e lactobacilos vivos importados. Bobagem. Ele é bom porque faz muito. Porque gosta. E porque não se deixou enganar pelo falso glamour que nos cerca. É um cara que faz falta por perto (arroto e mais uma cusparada no chão). Nesse momento, deve ter um americano olhando o Gustavo criar. Acostumado com todos os clichês de uma nação alegre e sacolejante, ele pensa: e eu que achava que os brasileiros não sofriam por nada.

PS: o vídeo da maratonista suiça. Também em Los Angeles, só que em 1984.

Templo Shaolin da Camuflagem Profissional.

Após anos observando os grandes mestres ninjas da camuflagem profissional, resolvi abrir o meu alfarrábio e revelar um conjunto de técnicas milenares. Com elas, você parecerá sempre mais ocupado que os outros usando uma porcentagem mínima da sua força. Você será um Shaolin do disfarce, um mestre do mimetismo, um Obi-Wan Kenobi da difícil arte de tirar da reta. Entrará em contato e harmonia com o melhor do ócio. Aquele que sugere que você trabalha, enquanto está descansando. Bruce Lee dizia: seja como água. Eu digo: seja como um cafezinho eterno da tarde.

Movimento 1: não respire, bufe. Com uma simples mudança no ato de respirar e um conjunto de pequenos barulhos, você parecerá mais tenso. E tensão sugere trabalho.

Movimento 2: um samurai não anda sem a sua espada, portanto ande sempre com um papel na mão. Serve qualquer um. De envelope pardo a folha em branco. O importante é sugerir que você carrega algo importante.

Movimento 3: antes de caminhar em direção à sua mesa, pegue um café. Isso dá a impressão que você já estava no ambiente há mais tempo que os outros. Essa técnica somada a um pequeno esporro aleatório no caminho é imbatível. Só tenha em mente que esse movimento deve ser feito sem a presença de uma mochila nas costas.

Movimento 4: no Taekwondo, o grito kiai é parte essencial da luta. Quanto mais poderoso o grito, menos frágil o lutador parece. Eleve o tom da sua voz ao confrontar um problema. Mesmo que seja um bem pequeno. Dê o seu kiai, mas tenha a certeza de estar sendo observado. Quanto mais indignado esse brado, mais ocupado você parece.

Movimento 5: domine uma técnica desconhecida. Analista de stopping power, head of the new storytelling, CEO de psicologia de concept. Todas essas são novas habilidades que dizem que só você pode fazer uma coisa que ninguém mais é capaz.

Movimento 6: o kung fu é baseado em animais, a camuflagem profissional, também. Técnica hipopótamo de espalhamento. Imprima muitas cópias do seu trabalho e espalhe de modo a criar uma sensação visual de dedicação.

Movimento 7:  o disparo de email na madrugada. Esse é um velho conhecido. Mandar emails em alguns horários é provar que você estava na agência enquanto todos os outros estavam em suas casas. Ao utilizar essa técnica, lembre-se de apagar o “enviado pelo iPhone”. Também muito funcional e com ampla área de acerto: a disfarçada tuitada do fim de semana. Basta um título levemente irônico: vida é o que acontece lá fora. Ou uma imagem da sua mesa de trabalho com a legenda: meu fim de semana perfeito. E pronto: você consagra a sua imagem profissional.

Movimento 8: empurre com a barriga até precisar do fim de semana. Outro conjunto de habilidades com grande resultado. Porque quem trabalha no fim de semana é mais dedicado.

Movimento 9: o desaparecimento no grupo, uma técnica ninja que pode ser aperfeiçoada desde a escola. Simples e fácil de empregar, a base é sempre dividir o seu trabalho com muitos. E sumir no meio dele. Com isso, você consegue estar presente em diferentes projetos ao mesmo tempo que está ausente em todos eles. Harmoniza muito bem com ficha técnica e isenção de responsabilidades durante o processo.

Movimento 10: desvio do osso. Essa técnica exige anos e anos de prática, mas pode livrá-lo do job osso para sempre. Consiste em ter muitas dúvidas e dificuldade nos trabalhos mais difíceis. O treinamento facial da expressão de sofrimento é fundamental. Assim como um certo ar de culpa por não ter conseguido resolver o job no prazo. Aos poucos, você será lembrado como um esforçado, que tentou de tudo, mas não conseguiu. O job osso cairá nas mãos de um incauto que o resolverá. E o terreno ficará livre para o filé.

Movimento 11: a necessidade de decorar o dia do rodízio dos chefes. Um dia que você pode chegar mais cedo no trabalho: 10:01.

Movimento 12: técnica de valorização do job na mesa. Qual o segredo para você pegar menos jobs que as outras duplas? Baixa velocidade na entrega. Como fazer isso sem parecer que você é lento, mas dedicado? Aqui, entra o treino. Valorize cada passo no processo, cada reunião, cada impressão. Enriqueça a sua função com uma técnica molecular de nomeação. Escrevendo um comunicado de rádio? Não. Você está gerindo uma nova forma de pensamento de áudio. Criando um roteiro? Nada disso. Redefinindo a forma como a marca se comunica.

Movimento 13: o Kung Fu Panda tem o golpe de dedo Ushi? A publicidade tem golpe de puxa-saco Ushi. Talvez a técnica mais antiga e a mais difundida. Quando bem empregada, é infalível.

Lembre-se: só o domínio completo dessas técnicas leva ao estado de invulnerabilidade. Kiai!

Envelhece ou não envelhece?

Um certo dia na F/Nazca, vislumbrei uma cena que nunca esquecerei. O diretor de arte Luciano Lincoln estava folheando um One Show recente. Até aí nada de mais. A parte curiosa era que ele virava as páginas e repetia como um mantra: envelhece, envelhece, não envelhece, envelhece, não envelhece. Demorei minutos para entender o que acontecia naquela sala branca fria. Ao seu jeito, o que ele fazia era olhar para aquelas peças na tentativa de prever quais sobreviveriam com o tempo. Quais não eram apenas um modismo. Os anos passaram e mesmo com um sorriso irônico ao lembrar daquele momento, me pego fazendo esse exercício continuamente. Olho para o mundo à volta, olho para o espelho e me pergunto: envelhece ou não envelhece?

Há uns anos atrás, o trabalho era teoricamente mais simples: TV, rádio, mídia impressa e outdoor. O chamado off-line. Em uma velocidade assustadora, tudo mudou. Não perdemos nenhuma função e agregamos umas outras tantas. Os profetas do apocalipse se apressaram em dizer que a mídia tradicional estava morta. Que os tempos mudaram. Qual o raciocínio por trás? Primeiro, eu digo que todo o resto acabou. Depois, eu me posiciono como a tábua única de salvação. Uma arca rumo ao futuro onde esses arcaicos criativos assustados serão barrados. Na pressa de arrumar um cantinho na arca, off-lines apressaram-se em aderir ao discurso. E lhes digo: ex-offline é o novo ex-fumante. Chato demais. O que todos esqueceram foi um pequeno detalhe: ainda precisamos de uma grande ideia.

Gosto de citar sempre o grande Neil Ferreira. O briefing era simples: as pessoas demoram para entregar a declaração do imposto de renda. Um fato que não mudou até hoje, certo? Solução (para soar como um case): criar o leão do imposto de renda. Resultados: por mais de 30 anos, o brasileiro continua a repetir a campanha. Era genial na época. Seria ainda mais genial hoje com todas as ferramentas disponíveis. Digo mais: candidato fortíssimo a um Titanium Lion. Ganharia qualquer festival na categoria integrada. Mas pasmem: feito em 1979. Credo, diriam alguns. Eu digo: não envelhece. Porque não é modismo. É ideia.

Recomendo a leitura de artigo entitulado “Rewriting history”, no site AdContrarian. Que aliás, junto com o Dave Trott, escreve hoje os melhores textos de propaganda. O artigo mostra uma coletânea de declarações dos profetas nos anos 2005-2009. Coisas do tipo “a TV tradicional não estará aqui nos próximos 7 ou 10 anos.” “O comercial de 30 segundos, como conhecemos hoje, está morto, morrendo ou viverá até ser inútil”.  E contrasta com os números da mídia tradicional hoje, nos EUA. Demolindo uma a uma as profecias. Os marqueteiros sempre superestimam o poder de atração das novas coisas e subestimam o poder de comportamento tradicional do consumidor, diz o autor na conclusão.

Old Spice não nasceu da ferramenta para virar uma campanha brilhante. Nasceu de um conceito: The man your man could smell like. E começou em um comercial de 30 segundos. Uma das melhores campanhas de Budweiser surgiu de um spot, esse então coitado, provoca erisipela só de falar. Real Men of Genius é, acima de tudo, um grande conceito. Quer falar de Darth Vader e dos seus mais de 50 milhões de views apenas no canal oficial da VW? Não, né?

Pensar primeiro na ferramenta para depois correr atrás da ideia é como buscar referências na internet e tentar achar um cliente que combine com aquilo depois. É inverter a lógica. Uma ideia ruim não fica melhor porque está integrada. Fica apenas uma ideia ruim integrada. Clap, clap, clap. Palmas para o Sr. Integrador, CEO de Buzz, o Mr. Social Media Thinker. O Mágico de Oz dos tempos modernos. Que fica escondido atrás de um termo intimidador, mas que se revela vazio ao mínimo embate de ideias.

As possibilidades são infinitas. Novas tecnologias abrem novas frentes para todos nós. Comemore esse fato. Você não domina a tecnologia? Pense em um conceito sólido e divida o trabalho com alguém da equipe que domine. Não há porque ficar acuado. A pergunta continua a mesma: envelhece ou não envelhece? E para ela, não há fórmula exata, não há método, não há o que ticar com a caneta. Há você, uma página em branco na tela e a busca por uma grande ideia. Fazer é um ofício. Parecer que você faz é uma arte. Não muito nobre, mas arte. A escolha é sua.

Coluna para a revista do AdNews.

Uma despedida. E algumas dicas.

É com imenso pesar que comunico que não vejo mais pastas. Durante 11 anos em São Paulo, mantive uma média de 2 pastas por semana. Era o mínimo que eu poderia fazer, uma vez que fui tão bem recebido por vários grandes nomes. Entre eles: Ricardo Freire, Marcelo Aragão e o meu amigo Wilson Mateos. Fora o Victor Sant’anna, que me ajudou muito desde os tempos de Rio de Janeiro.

O fato é que não tenho mais tempo para atender aos pedidos que me chegam. E nunca vi pasta de uma maneira leviana. Para não passar pelo papel de “cara que não responde ao email que eu mandei com a minha pasta online”, escolhi parar de ver. E resolvi escrever algumas coisas que falei durante esse tempo. A todos os que eu vi, espero ter ajudado de alguma forma. Aos que gostariam que eu tivesse visto, ficam umas parcas dicas. Espero que ajudem.

Ligar ainda é a melhor forma de marcar uma hora para ver a pasta. Depois, o email. Facebook, Twitter e Instagram, na minha opinião, não são lugares para abordar. Ah, e esqueça aquelas lendas urbanas de ficar com uma seta pendurada no pescoço na frente da agência dizendo: eu queria muito mostrar a pasta aqui. A ideia tem que estar dentro da pasta. Não na hora de agendar.

Conseguiu marcar para mostrar a pasta? Ótimo. Estude a agência. Estude o trabalho do redator ou diretor de arte agendado. Se o cara não é muito fã de títulos, não será a sua pasta que o convencerá do contrário. Troque alguns títulos por outras peças. Claro, se você tiver gordura na pasta para fazer isso. Caso não tenha essa gordura, mude a ordem das peças. Crie intervalos na pasta. Para que o criativo veja algo mais próximo do que ele gosta em intervalos. Saber os estilos de cada agência ou de uma safra de criativos é um estudo que, se não fizer mudar a sua pasta na hora, pode mudar a longo prazo.

Está vindo de outra cidade e não tem muito tempo? Ligue com antecedência. Estude o mapa de São Paulo. Marcar uma pasta na Y&R no mesmo dia de uma visita na F/Nazca pode ser um suplício. Concentre as agências pelas regiões do mapa, sempre que possível. Comece fazendo uma ordem de prioridade das agências que você gostaria de ter uma chance. E depois, olhe o mapa. Espalhe as Top 5 em dias diferentes e boa sorte na hora de ligar.

Está em São Paulo? Marque com calma. Pastas boas se espalham rapidamente.

Não chegue atrasado. Você pode tomar um chá de cadeira, acontece muito, mas é melhor deixar o outro lado em uma posição desconfortável.

Eu sempre pedi um breve resumo da carreira antes de ver a pasta. Achava importante ver o trabalho de acordo com o mercado. Com a realidade local. Se der um espaço, fale sobre isso. Se o cara for minimamente compreensível, vai tentar ver a pasta com outro olhar.

Não seja comentarista da sua própria pasta. Eu sei que é complicado aquele silêncio. Mas comentar a própria pasta aumenta muito as chances de você soar arrogante ou falar algo indevido. Seguindo a linha, evite falar sobre cada prêmio de cada peça. Se for um prêmio importante, quem está vendo quase sempre sabe. E o fato dela ser premiada, não quer dizer que todo mundo tem que gostar. Lembro com tristeza de uma pasta com adesivos pequenos de prêmios.

Pasta é o resumo do que você acha importante no seu trabalho. Várias vezes ouvi: mas essa veiculou. Grandes coisas. Veiculou e era ruim? Não traz mérito algum. Oh, estou dizendo que você tem que montar uma pasta inteira fantasma? Bem, dependendo do seu mercado ou da sua agência, sim. A realidade é dura? Aproveite os mesmos briefings, aproveite a impressora, aproveite um dupla e faça aquilo em que você acredita. Sempre me surpreendi mais com pastas de lugares que eu não esperava ver nada de bom. Porque o cara mostrava discordar daquilo claramente no seu trabalho.

Abriu a pasta com Leão? Bem, tomara que o resto dela segure esse rojão. Caso contrário, deixe para o final.

Você é repleto de Leões, mas não tem um trabalho que preste na rua. Xi….

Assuntos fáceis demais: evite. Ande pelas encrencas, pelo trilho sujo, pelo osso. Na sua agência tem produtos agrícolas? É esse que você tem que pegar e destrinchar. É melhor isso do que ficar nas ONGs e camisinhas da vida.

Se você é redator, tenha ao menos uma prova de que sabe escrever na pasta. Apps, ações, cases são ótimos. Mas há uma geração inteira que pensa fora da “caicha”. Com ch mesmo. Porque não sabe escrever o básico. Pensa na ferramenta, antes do seu próprio ofício. Se você é diretor de arte, coloque um all-type. Parece fácil, mas é onde a grande maioria desliza. A vida não é um adsoftheworld. Boa parte dos jobs tem pouco prazo. E não é com uma referência cool de um ilustrador finlandês que você vai resolver.

Sobre referências da internet. Avise quando for uma. Dê crédito à fonte. É melhor isso do que ser descoberto depois. Podendo evitar, evite.

Eu sempre preferi ver 5 campanhas de 4 peças do que 20 ideias isoladas. Campanhas com conceito são a prova de que você consegue ver o todo com um pouco mais de maturidade.

Cases, apps, ações. Dê mais ou menos peso, dependendo do lugar que você vai mostrar a pasta.

Diferente pode ser ruim. Pode ser uma direção de arte cool-hipster-style, um filme cabeça e ser ruim ainda assim.

Deixar ou não um CD com a sua pasta? Eu diria que não. Só se for um CD do Black Keys de presente. Mande o link depois.  CDs e brindes ruins de produtora costumam ter o mesmo destino. Sinto dizer.

Você vai ouvir coisa que não gostaria. Se não quer críticas, fique em casa. Claro, existem jeitos de criticar. Se o cara for um babaca (sim, eles existem), use como motivação. Há um clichê que sempre se confirma: o mundo dá voltas. Prove que ele estava errado. Há um outro ensinamento do Edu Lima que eu gosto muito: quem fala esquece, quem ouve, nunca.

Mostrou a pasta na agência que você queria? Não ligue no mês seguinte para outro criativo do mesmo lugar. Sempre soa como se a opinião do primeiro não tivesse importado.

Pasta nunca está boa. Fique inquieto com a sua. Quer um exemplo? Você mostra a pasta para um cara e no ano seguinte mostra de novo. Tudo o que ele esperava ver era uma renovação. E você levou a mesma pasta, igualzinha. Sem perceber, você desce um degrau no conceito do cara.

Um jeito Luciano Lincoln de avaliar o trabalho: todo fim de ano, reúna o que você produziu de melhor. Olhe com calma. Espalhe as peças no chão (ele fazia isso). Você sempre tem algo para melhorar. Você pode ter passado o ano inteiro só resolvendo pepinos e não fez nenhuma campanha de conceito forte. Logo, comece o ano por aí.

Para finalizar: não acredite mais em release do que em fazer. Seja justo. Mantenha um senso crítico mais apurado com o seu trabalho do que com o dos outros. Alimente o seu ego como se ele fosse um modelo do SPFW.

Acredite em uma regra básica: sentar a bunda na cadeira e fazer muito. Os caras que eu mais admiro fazem assim até hoje. Boa sorte.

 

 

 

 

 

 

 

O prisioneiro, o dedão e o juiz.

O sujeito está na cadeia e recebe uma carta do pai falando:

Filho, sinto a sua falta. Queria que você estivesse aqui para cavar o jardim comigo e tomarmos uma cerveja.

O filho responde:

Não cave o jardim. Não cave o jardim.

No dia seguinte, a polícia revira o jardim inteiro e não encontra nada. O filho manda uma carta para o pai:

Gostou do serviço?

Guerra do Vietnã. Mesmo com um armamento precário, os vietnamitas conseguem abater vários helicópteros. O exército americano, intrigado, tenta descobrir como eles conseguem a façanha sem armas de longo alcance e sem mira telescópica. E descobrem a técnica do dedão. Quando o helicóptero passar, estique o dedão para cima. Se for menor ou do mesmo tamanho, pode atirar que tem alcance.

Um time de futebol americano sem grandes resultados faz uma pesquisa. E chega a conclusão que nos lances mais polêmicos, metade das decisões vão para um lado. Metade para o outro. Não existe um time mais favorecido na média. O que faz o técnico do time? Estuda a vida de todos os juizes da liga. E pede para na entrada do campo, o time falar coisas mais pessoais. “Soube que a sua filha se formou. Parabéns.” “Como foi de férias em Cancun?” “Parabéns. Seu aniversário foi ontem, né?”. Resultado: esse time teve mais de 70% das decisões pendendo para o seu lado. Na dúvida, o juiz passou a decidir pelo time mais simpático.

Pequenas histórias de uma palestra que não me sai da cabeça do Dave Trott. E que estarão no seu próximo livro: Pensamento Predatório. Um livro que mostra jeitos criativos de mudar o jogo a seu favor. De renovar o seu trabalho. Ou, simplesmente, de acreditar.

Acidez é romantismo.

“Não aja como um artista. Criativos não são artistas.” No momento em que essa frase apareceu, tive a total certeza que aquela oportunidade era única. Por quatro horas, tive o privilégio de ouvir uma palestra do Dave Trott. Sim, foram quatro horas. E poderia ter sido o dobro. Gente sem conteúdo é que nos cansa em segundos.

Talvez você já tenha percebido, mas em todo caso, vai lá: eu sou ácido. Segundo o Wilson Mateos, a minha acidez já é uma entidade à parte. E essa entidade adorou a palestra. Como não gostar de um cara que fala: “o problema na criação é que eles acham que são os espertinhos da criação. E por isso mesmo, deveriam tentar voltar a ser a pessoa que eram antes de trabalhar em criação.” Isso é música.

Quer mais uma? “Procurar referência na internet não é pensar, é ir ao shopping.” Tem mais: “Nossa função é a insolência. Se a criação não pode ser desobediente, que setor pode ser?” E aí, ele fez um paralelo com a famosa frase do Steve Jobs: “é mais divertido ser um pirata do que entrar na marinha.” Belo ponto. Tem muito marinheiro querendo navegar nas águas tranquilas do release caprichado e do trabalho nem tanto.

Dave Trott dissertou sobre  a grande diferença entre dizer e fazer. É fácil dizer que você quer um trabalho genial e colocar o médio na rua. Difícil é manter essa conexão entre dizer e fazer. E ele seguiu dissecando, sem medos. “Para cada Gorila da Cadbury, existem 99,9% de trabalhos que não chegaram lá. Porque a grande maioria do que vai para rua é um lixo.”

Espancou as pesquisas, criticou educadamente o retroplanejamento, declarou amor absoluto ao processo de criação. Comentou sobre budismo, lado esquerdo e direito do cérebro, presidiários criativos, Bill Bernbach, Freud e muito mais. Falou de tudo, menos dele mesmo. É um romântico. E talvez seja isso. Acidez é, no fundo, romantismo puro. Paixão. Uma sensação que as coisas poderiam ser melhores. Que a essência do trabalho em publicidade ainda é criar algo a mais do que lobby ou um personagem para si próprio.

PS: para saber mais sobre Dave Trott: http://www.cstthegate.com  


Me, Myself and I.

Eu fiz, eu faço, quando eu fizer, eu mudei, eu mudo, eu revoluciono, eu integro, eu comando, eu lidero, por minha causa, eu fui o primeiro, eu sou foda, o mega pica das galáxias. Eu, eu, eu. Cansa, não?

Não adianta ficar revoltado quando as novelas fazem caricaturas dos criativos. Não adianta reclamar da sina de ter um Marcos Frota nos representando. Não existe caricatura sem um fundo de verdade. E o fundo talvez nem seja tão fundo assim.

A pergunta era simples: qual a notícia mais importante nos 34 anos do Meio & Mensagem? E teve gente que conseguiu falar de si mesmo. Agora, vamos mudar de campo. Imagine o Scorsese. Imagine que perguntem a ele: senhor Scorsese, qual a notícia mais importante dos últimos 70 anos do cinema? E ele responde: o dia em que eu ganhei o meu Oscar. Ou o Gabriel Garcia Marquez falando: destacaria o momento em que eu ganhei o Nobel como o mais marcante da literatura. Ou a influência que essa conquista teve para o mercado latino-americano de livros. Soaria patético. E é.

O nosso ego não é um mito. O outro ganhou? Deve ser ruim, é fraco, não é integrado. O que importa sou “eu”. O que “eu” faço é sempre bom. Sempre revolucionário. Holofotes para mim. Ninguém faz nada como eu. Eu nunca erro. Soltem os meus releases, confirmem as minhas respostas, sigam-me.

O problema é que o “eu” erra. Sem perceber. Fica preso em si mesmo. Em suas próprias referências, na ausência de amigos. Continua sozinho no playground do prédio jogando a bola na parede. E dizendo que é o “melhor-melhor-do-mundo” em jogar bola na parede. Enquanto isso, aumento o som, coloco um De La Soul e vou cantando: just me, myself and I.

Velhos amigos.

O telefone tocou e era ele. Fazia tempo que eles não se falavam. Eram amigos, mas andavam distantes. Estavam separados por uma barreira de reuniões intermináveis, viagens de trabalho, stress, famílias, ponte-aérea.  Havia sempre algo que conspirava contra um encontro, um papo que fosse.

Mas o telefone tocou e eles se falaram. A pedido dele, o papo tinha que ser ao vivo. Olharam suas agendas, consultaram suas secretárias e por fim marcaram para dali a uma semana. Ficou no ar o assunto, ficou em suspense, uma interrogação. O que será que ele queria falar? Não quis adiantar nada pelo telefone, achou que não era o caso. Chegou a pigarrear e concluiu: – “Só pessoalmente eu falo! Só pessoalmente!”. Os dias passaram corridos. E mesmo assim, nada na semana foi capaz de apagar aquela interrogação. Às vezes, tomando um café, ou no intervalo para um xixizinho, até mesmo durante um almoço, aquela dúvida surgia. E os dias se passaram. Até que aquele charmoso Peugeot 1958 estacionou no pátio. O burburinho entre os guardas do prédio e os manobristas foi inevitável. Não é sempre que um carrinho como aquele parava ali. E para uma vista acostumada com um mar de Audi A3, era impossível que não se formasse um círculo em volta daquela preciosidade. Ele já estava acostumado a isso. Respondeu as perguntas padrões dos curiosos, educadamente. Até porque não sabia fazer de forma diferente. Era um sujeito solícito, de família nobre, como se dizia antigamente. Em seu paletó levemente desgrenhado, mas não ao ponto de parecer relaxado e, sim, elegante, deixou aquele círculo de curiosos para trás e caminhou para a recepção. Antes, a pedido do segurança, teve que cadastrar sua digital. Era a norma. E ele, que não era muito de contrariar normas, colocou sua digital naquele aparelho. E mais uma vez. E outra, e outra. Chegou a pensar na tecnologia dos dias de hoje. Avanço? Perda de tempo? Ficou na dúvida, já que teve que colocar a digital mais uma vez para se cadastrar definitivamente e aí, sim, se dirigir a grande porta de vidro, para colocar novamente sua digital ali e por fim adentrar a grande caixa branca. Antes de falar com a recepcionista, reparou no quadro da entrada. Uma bela fotografia feita pela Rochelle Costi. Uma foto em cores vibrantes de um carrinho de pipoca. Como o simples é belo. Poderia escrever ou pensar um tratado completo sobre a beleza que aquele quadro passou, mas foi interrompido por algo. Primeiro era um zumbido. Depois foi ficando mais claro. Olhou para o lado e viu a boca da recepcionista se mexendo, mas estava tão perdido em pensamentos, que a voz dela só chegou alguns segundos depois. Sim, disse que tinha uma reunião agendada. Não contou que veio para a reunião porque não quis falar por telefone sobre o assunto. Não entrou nesses detalhes. Achou desnecessário. Passada essa etapa, havia mais uma catraca. Digital e nada. Digital e nada. Na terceira, a catraca resolveu ceder. Sinal verde. Ele entrou. Passou pela porta de vidro fosco. Uma porta imponente. Ao entrar, reparou de cara numa grande planta, um bambu mossô. Também sentiu o ar condicionado frio, muito frio. Ficou impressionado com a valentia do bambu. Chegou até a ficar comovido com sua obstinação em ficar de pé ali, imponente, numa temperatura sibérica.

Observou e foi observado. Não conseguia se desligar do seu olhar documentarista, que procurava nos detalhes, uma nova história a ser contada. Antes de subir as escadas, ainda olhou de relance um quadro. Um Dudi Maia Rosa, de uma cor vibrante que contrastava com o branco ao redor. Viu ainda uma nova escada dentro da escada. Colada na parede, como se o chamasse para uma nova dimensão.

Seguiu seu caminho acompanhado por uma gentil secretária. A sala era a 2. Será que ainda olhavam o seu carro? Ele pensou. Por um breve instante se viu sozinho na sala e repassou a conversa mentalmente. Como tocar no assunto? Perdeu o caminho quando viu um pote de jujubas. Por que jujubas? A resposta veio rapidamente. Quando percebeu, estava com a mão esticada e sua dúvida agora era se pegava a verde ou a vermelha. Pensou num daltônico que come a laranja achando que é a de limão. Resolveu pegar a vermelha. Olhou ainda para um pote de biscoitos de polvilho. Procurou de relance o queimadinho, mas desistiu. A jujuba trouxe uma série de lembranças. O suco que vinha embalado no plástico em formato de carro, a bala Banda, a bala Boneco, o cine Rian da praia de Copacabana. Tudo em seqüência acelerada. E foi então, que a porta abriu e finalmente eles se encontraram.

E como só acontece com os amigos, eles não vacilaram nem por um segundo. Falaram como se reiniciassem uma conversa terminada ontem. Suas paixões alvinegras, Vasco e Botafogo, foram o ponto de partida. Não havia antagonismo, por um instante era como se fossem companheiros de torcida. Uma torcida por dias melhores que pareciam chegar. Lembraram de como se conheceram e refizeram a trajetória daquela amizade. Os primeiros trabalhos, os percalços, riram das dificuldades de remontar um comercial na moviola. E foram passo a passo chegando juntos no assunto que anos depois os colocava de novo frente a frente. E só então, um pequeno silêncio se impôs. Quase que em uma coreografia, levaram um café até a boca. Olharam os dois para o mesmo solitário polvilho queimadinho que residia no fundo do pote. Impossível de ser alcançado. Ele resolveu falar o que enfim o trazia. E na cadeira da ponta direita, quase que numa superstição, ele se preparou para ouvir. Cruzou a perna, levou o indicador à sobrancelha, repetiu um movimento que lhe acompanha desde a infância. Você tem acompanhado a revista? A resposta veio antes mesmo do fim da pergunta: claro. Gosta, não gosta, não tem uma opinião formada? Ele finalmente sabia o assunto. E aquilo lhe deu uma alegria que se formatava na resposta acelerada: acho muito legal. E agora foi a vez de uma pequena titubeada. Então, eu tava pensando se, sei lá, você queria trabalhar essa conta? E ele respondeu: porra…

Texto escrito com o Edu Lima para anunciar a conquista da conta da Revista Piauí pela F/Nazca.

O velho, o menino, o burro e o mercado.

Diz um certo conto de La Fontaine, que você já deve ter escutado, que um velho e um menino seguiam por uma estradinha montados num burro. Até que, no caminho, alguém falou:
– Que crueldade! Assim, eles matam o burro!
O velho, assustado com os comentários, pediu para o menino descer. Até que outras pessoas comentaram:
─ Que velho maldoso. Deixar o pobre menino a pé!
O velho mais uma vez se impressionou com os comentários e desceu do burro. E colocou o menino para montar. E novamente comentaram:
─ Que menino desalmado. Cheio de energia montado no burro, enquanto o coitado do velho caminha.
Até que os dois resolveram carregar o burro nas costas. E mais uma vez ouviram risadas pelo caminho. E um comentário:
– Mas olha só, como são burros.

Infelizmente, o mercado publicitário funciona muito parecido com este conto. Não é uma metáfora simplória, é constatação. O cara é bom em filme? Ah, mas ele não manja nada de web. Ele é bom em web? Putz, ele não saca nada de mídia tradicional. Mas ele é bom em títulos, diria um defensor. E um passante na beira da estrada diria que ele nunca fez uma ação sequer. Ele está pensando em integrated, agora. Tá, mas piorou muito nos roteiros. Ele é bom em spots. Ah, vá! Quem liga para spots?

Ele é premiado? É, mas só em prêmios nacionais. Ele ganhou Cannes? Ganhou, mas não tem nada do dia a dia. Ele resolve o dia a dia bem pra caramba. Resolve, mas não ganha nada em premiação internacional. Ele é bom em releases. Bem, aí não tem perdão mesmo.

Para piorar, existem os comentários anônimos que me enchem de vergonha. Agora mesmo, deve ter um aí embaixo dizendo: que bosta de texto. Mas penso no Chico Buarque comentando sobre os anônimos e rindo. E vejo que ele está certo.

Moral da história? Trabalhe dignamente, meu caro. Cumprimente os colegas quando você achar que o trabalho é bom de verdade e não por network. Na beira da estrada, não falta gente falando. Escute menos e faça o seu. Acredite: no mercado, é melhor ser velho, menino e até mesmo burro.

Publicado no site do CCSP. 07/2011.