Arquivo mensal: junho 2016

Briefing não é livro de colorir

 

Os dados eram esperados, não há uma grande revelação, nem nada. Segundo a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 44% do brasileiros não lêem, 30% nunca compraram um livro, 63% declaram não terem sido incentivados a ler. Detalhe importante: para a pesquisa, leitor é quem leu um livro por inteiro ou partes do mesmo nos últimos 3 meses. A Bíblia aparece como o mais lido, o que faz sentido se pensarmos na forma em que é consultada. Um aspecto estarrecedor é que metade dos professores entrevistados diz não ter lido livro algum recentemente, porém 84% deles se intitulam leitores. Contraditório, não? Sem uma política clara de educação no país há décadas, o retrato é óbvio e triste.

Vamos adicionar outro fator. O livro mais vendido de 2015, de acordo com o ranking da PublishNews, foi “Jardim Secreto” de  Johanna Basford. Não leu? Tudo bem, ninguém leu mesmo. É um livro de colorir para adultos. O segundo lugar? De colorir, também. E mesmo com tanta cor, não consigo deixar de pensar que para quem gosta de literatura, esse é um cenário cinza.

Construo aqui uma ponte rumo a outro objeto de leitura que deveria ter o limite de duas páginas: o briefing. Se fizéssemos uma pesquisa Retratos da Leitura de Briefing no Brasil, os números seriam igualmente desanimadores. Na averiguação, teríamos que fazer um recorte especial:  leu o briefing inteiro; leu parcialmente. Na bolsa de apostas, colocaria dinheiro que a segunda categoria venceria por nocaute. Se a ficha técnica é o maior ponto de discórdia na criação, o briefing é o ponto nevrálgico da relação entre todos os departamentos da agência, entre agência e clientes, entre emplacar e refazer. Faço, então, algumas considerações soltas sobre o tema:

  • Todo briefing pode ser negado contanto que seja discutido no início. Espernear na véspera da reunião não resolve nada.
  • A criação tem que participar do processo de construção do briefing. Eu sei que é mais fácil culpar o outro, mas esse papel de criativo mimado em 2016 não cai bem.
  • O fato de preencher todas as caixas do briefing não resolve o problema. Ao fim, você precisa ter definido em uma frase o que precisa ser dito.
  • Manifestos podem conter tudo o que um briefing pede e ainda assim não serem efetivos. Um grupo de estudantes na Alemanha criou um site em que você pode ouvir o áudio de um manifesto com a imagem de outra campanha. Ninguém notou a diferença.
  • Hoje, as conversas mais interessantes acontecem na mídia. Ou a mídia entra no início ou a gente finge que o trabalho foi integrado.
  • Briefing não é livro de colorir. Ficar rabiscando e sublinhando ele por inteiro, só significa uma coisa: não está claro.
  • Agência não é Game of Thrones. Disputa entre reinos gera os piores briefings.
  • Contrariar o briefing por contrariar é a infantilização do processo criativo.
  • A única maneira de zerar uma prova de redação é fugir do tema. A regra vale para a hora de criar.
  • A razão tem que estar no briefing, a emoção na ideia. Quem só procura pelo racional na hora de ver a campanha, tende a não se emocionar.
  • Se você é cliente, coloque-se no lugar da agência. Se é agência, coloque-se no lugar do cliente. Empatia costuma poupar uma pá de discussões.

No ano passado, a REI fechou todas as suas lojas na Black Friday. Não sei se nasceu de um briefing ou não, mas pense na coragem dessa ação? Fechar quando poderia vender. Para uma marca de de artigos outdoor, a mensagem não poderia ser mais pertinente. Torço para que o case de REI fature tudo em Cannes, não só porque ele traz uma ideia poderosa, verdadeira, sem truques. Torço porque há nele, uma lição imprescindível: ler o cliente ainda é a melhor ferramenta de criatividade para uma agência. Pode ser um briefing, pode ser uma oportunidade. Só não pode não ler.

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